E eu não quero caluniar a boa gente da Azambuja. Que me não leiam os tais, porque eu hei-de viver e morrer na fé de Boileau:
Rien n’est beau que le vrai.
Já se diz há muito ano que honra e proveito não cabem num saco; eu digo que beleza e mentira também lá não cabem: e é a mais portuguesa tradução que creio que se possa fazer daquele imortal e evangélico hemistíquio de Boileau. A maior parte das belezas da literatura actual fazem-me lembrar aquelas formosuras que tentavam os santos eremitas na Tebaida. O pobre de Santo Antão ou de S. Pacómio (Pacómio é melhor aqui) ficavam embasbacados ao princípio; mas dava-lhes o coração uma pancada, olhavam para os pés das tentadoras... — Cruzes, maldito! Os pés não podia ele encobrir. E ao primeiro abrenuntio do santo dissipava-se a beleza em muito fumo de enxofre, e ficava o Diabo negro, feio e cabrum como quem é, e sempre foi o pai da mentira.
Nada, nada, verdade e mais verdade. Na estalagem da Azambuja o que havia era uma pobre velha a quem eu chamei bruxa, porque, enfim, que havia eu de chamar à velha suja e maltrapida que estava à porta daquela asquerosa casa?
Havia lá esta velha, com a sua moça mais moça mas não menos nojenta de ver que ela, e um velho meio paralítico meio demente que ali estava para um canto com todo o jeito e traça de quem vem folgar agora na taberna porque já bebeu o que havia de beber nela.
Matava-nos a sede; mas a água ali é beber quartãs. O vinho era atroz. Limonada? Não há limões nem açúcar. — Mandou-se um próprio à tenda no fim da vila. Vieram três limões que me pareceram de uns que pendiam, quando eu vinha a férias, à porta do famoso botequim de Leiria.
O açúcar podia servir na última cena de M. de Pourceaugnac muito melhor que numa limonada. Mas misturou-se tudo com a água das sezões, bebemos, pusemo-nos em marcha, e até agora não nos fez mal, com o ser a mais abominável, antipática e suja beberagem que se pode imaginar.
Caminhámos da mesma ordem até chegar ao famoso pinhal da Azambuja.