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Capítulo 6: Capítulo 6

Página 24

O falso deus adora o verdadeiro!

Desde que me entendo, que leio, que admiro Os Lusíadas; enterneço-me, choro, ensoberbeço-me com a maior obra de engenho que ainda apareceu no mundo desde a Divina Comédia até ao Fausto...

O italiano tinha fé em Deus, o alemão no cepticismo, o português na sua pátria. É preciso crer em alguma coisa para ser grande — não só poeta — grande seja no que for. Uma Brízida velha que eu tive, quando era pequeno, era famosa cronista de histórias da carochinha, porque sinceramente cria em bruxas. Napoleão cria na sua estrela, La Fayette creu na república-rei de Luís Filipe; e, para que ousemos também celebrare domestica facta, todos os nossos grandes homens ainda hoje crêem, um na junta do crédito, outro nas classes inactivas, outro no mestre Adonirão, outro finalmente na beleza e realidade do sistema constitucional que felizmente nos rege. Mas essas crenças são para os que se fizeram grandes com elas. A um pobre homem, o que lhe fica para crer? Eu, apesar dos críticos, ainda creio no nosso Camões: sempre cri.

E contudo, desde a idade da inocência em que tanto me divertiam aquelas batalhas, aquelas aventuras, aquelas histórias de amores, aquelas cenas todas, tão naturais, tão bem pintadas — até esta fatalidade da experiência, idade prosaica em que as mais belas criações do espírito parecem macaquices diante das realidades do mundo, e os nobres movimentos do coração quimeras de entusiastas — até esta idade de saudades do passado e esperanças no futuro, mas sem gozos no presente — em que o amor da pátria (também isto será fantasmagoria?), e o sentimento íntimo do belo me dão na leitura de Os Lusíadas outro deleite diverso, mas não inferior ao que noutro tempo me deram — eu senti sempre aquele grande defeito do nosso grande poema: e nunca pude, por mais que buscasse, achar-lhe, justificação não digo — nem sequer desculpa.

Mas até morrer aprender, diz o adágio: e assim é. E também é aforismo de moral, aplicável outrossim a coisas literárias: que para a gente achar a desculpa aos defeitos alheios, é considerar — é pôr-se uma pessoa nas mesmas circunstâncias, ver-se envolvido nas mesmas dificuldades.

Aqui estou eu agora dando toda a desculpa ao pobre Camões, com vontade de o justificar, e pronto (assim são as caridades deste mundo)

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Capa do livro Viagens na minha terra
Páginas: 41
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Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 7
Capítulo 3 11
Capítulo 4 15
Capítulo 5 19
Capítulo 6 23
Capítulo 7 29
Capítulo 8 34
Capítulo 9 37