arte inglesa do puro aço da Suécia, não alcança, não se compara ao prazer e consolação de alma e corpo que eu senti ao apear-me de minha chouteira mula à porta do grande café do Cartaxo.
Fazem ideia do que é o café do Cartaxo? Não fazem. Se não viajam, se não saem, se não vêem mundo esta gente de Lisboa! E passam a sua vida entre o Chiado, a Rua do Ouro e o Teatro de S. Carlos, como hão-de alargar a esfera de seus conhecimentos, desenvolver o espírito, chegar à altura do século?
Coroai-vos de alface, e ide jogar o bilhar, ou fazer sonetos à dama nova, ide, que não prestais para mais nada, meus queridos Lisboetas; ou discuti os deslavados horrores de algum melodrama velho que fugiu assoviado da «Porte Saint-Martin» e veio esconder- se na Rua dos Condes. Também podeis ir aos touros — estão embolados, não há perigo...
Viajar?... qual viajar! até à Cova da Piedade, quando muito, em dia que lá haja cavalinhos. Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando que todas as praças deste mundo são como a do Terreiro do Paço, todas as ruas como a Rua Augusta, todos os cafés como o do Marrare.
Pois não são, não: e o do Cartaxo menos que nenhum.
O café é uma das feições mais características de uma terra. O viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o país em que está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião.
Levem-me de olhos tapados onde quiserem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhes que em menos de dez minutos lhes digo a terra em que estou, se for país sublunar.
Nós entrámos no café do Cartaxo, o grande café do Cartaxo; e nunca se encruzou turco em divã de seda do mais esplêndido harém de Constantinopla com tanto gozo de alma e satisfação de corpo, como nós nos sentámos nas duras e ásperas tábuas das esguias banquetas mal sarapintadas que ornam o magnífico estabelecimento bordalengo.
Em poucas linhas se descreve a sua simplicidade clássica: será um paralelogramo pouco maior que a minha alcova; à esquerda duas mesas de pinho, à direita o mostrador envidraçado onde campeiam as garrafas obrigadas de licor de amêndoa, de canela, de cravo. Pendem do tecto, laboriosamente arrendados por não vulgar tesoura, os pingentes de papel, convidando a lascivo repouso a inquieta raça das moscas. Reina uma frescura admirável naquele recinto.