Viagens na minha terra - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 41 / 41

Ainda o estou vendo, coitado! o pobre C. do S., nobre, espirituoso, cavalheiro, fazendo-se perdoar todos os seus prejuízos de casta, que tinha como ninguém, por aquela polidez superior e afabilidade elegante que distingue o verdadeiro fidalgo (estilo antigo); ainda o estou vendo, já sexagenário, já mais que «ci-devant jeune homme», o pescoço entalado na inflexível gravata, os pés pegando- se-lhe, como os de Ovídio, ao limiar da porta — não que lhos prendessem saudades, senão que lhos paralisava a caquexia incipiente — mas o espírito jovem a reagir e a teimar.

— «Vamos!», disse ele, «hoje estou bom, sinto-me outro: quero apresentá-lo a madame de Abrantes. Está tão velha! Isto de mulheres não são como nós, passam muito depressa.» E o desgraçado tremiam-lhe as pernas, e sufocava-o a tosse.

Tomámos uma «citadine», e fomos com efeito à nova e elegante rua chamada não impropriamente a Rua de Londres, onde achámos rodeada de todo o esplendor do seu ocaso aquela formosa estrela do império.

Não quero dizer que era uma beleza; longe disso. Nem bela nem moça, nem airosa de fazer impressão era a duquesa de Abrantes. Mas em meia hora de conversação, de trato, descobriam-se-lhe tantas graças, tanto natural, tanta amabilidade, um complexo tão verdadeiro e perfeito da mulher francesa, a mulher mais sedutora do mundo, que involuntariamente se dizia a gente no seu coração: «Como se está bem aqui!»

Falámos de Portugal, de Lisboa, do império — da Restauração, da revolução de Julho (isto era em 1831), de M. de Lafayette, de Luís Filipe, de Chateaubriand — o seu grande amigo dela — , do Sacré Coeur e das suas elegantes devotas1 — falámos artes, poesia, política... e eu não tinha ânimo para acabar de conversar...

Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência, um resto de consciência: acabemos com estas digressões e perenais divagações minhas. Bem vejo que te deixei parado à minha espera no meio da ponte da Asseca. Perdoa-me por quem és, dêmos de espora às mulinhas, e vamos que são horas.

Cá estamos num dos mais lindos e deliciosos sítios da terra: o vale de Santarém, pátria dos rouxinóis e das madressilvas, cinta de faias belas e de loureiros viçosos. Disto é que não tem Paris, nem França nem terra alguma do Ocidente senão a nossa terra, e vale bem por tantas, tantas coisas que nos faltam.





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