Viagens na minha terra - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 40 / 41

Tenho pena de nunca ter visto o Junot nem o Maneta1, as duas primeiras notabilidades que ouvia clamar como tais e cujos nomes conheci... Engano-me: conheci primeiro o nome de Bonaparte. E lembra-me muito bem que nunca me persuadi que ele fosse o monstro disforme e horroroso que nos pintavam frades e velhas naquele tempo. Imaginei sempre que, para excitar tantos ódios e malquerenças, era necessário que fosse um bem grande homem.

Desde pequeno que fui jacobino; já se vê: e de pequeno me custou caro. Levei bons puxões de orelhas de meu pai por comprar na feira de São Lázaro, no Porto, em vez das gaitinhas ou dos registos de santos, ou das outras bugigangas que os mais rapazes compravam... não imaginam o quê... um retrato de Bonaparte.

«Foi enguiço» — diria uma senhora do meu conhecimento que acredita neles: foi enguiço que ainda se não desfez e que toda a vida me tem perseguido.

Quem me diria quando, por esse primeiro pecado político da minha infância, por esse primeiro tratamento duro, e — perdoe-me a respeitada memória de meu santo pai! — injustíssimo, que me trouxe o mero instinto das ideias liberais, quem me diria que eu havia de ser perseguido por elas toda a vida! que apenas saído da puberdade havia de ir a essa mesma França, à pátria desses homens e dessas ideias com que a minha natureza simpatizava sem saber porquê, buscar asilo e guarida?

Não vi já quase nenhum daqueles que tanto desejara conhecer: as ruínas do grande império estavam dispersas; os seus generais mortos, desterrados, ou trajavam interesseiros e cobardes as librés do vencedor.

De todas as grandes figuras dessa época a que melhor conheci e tratei foi uma senhora, tipo de graça, de amabilidade e de talento. Pouco foi o nosso trato, mas quanto bastou para me encantar, para me formar no espírito um modelo de valor e merecimento feminino que me veio a fazer muito mal.

Custou depois a encher aquela altura que se marcou...

Eis aqui como eu fiz esse conhecimento.





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