«Não me fujas ainda, Teresa. Já não vejo a forca, nem a morte. Meu pai protege-me, e a salvação é possível. Prende ao coração os últimos fios da tua vida. Prolonga a tua agonia, enquanto te eu disser que espero. Amanhã vou para as cadeias do Porto, e hei-de ali esperar a absolvição ou comutação da sentença. A vida é tudo. Posso amar-te no degredo. Em toda a parte há céu, e flores, e Deus. Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta. Vive, Teresa, vive! Há dias, lembrava-me que as tuas lágrimas lavariam da minha face as nódoas do sangue do enforcado. Esse pesadelo atroz passou. Agora neste inferno respira-se; o esparto do carrasco já me não aperta em sonhos a garganta. Já fito os olhos no céu, e reconheço a providência dos infelizes. Ontem, vi as nossas estrelas, aquelas dos nossos segredos nas noites da ausência. Volvi à vida, e tenho o coração cheio de esperanças. Não morras, filha da minha alma!»
Ia alta a noite, quando Teresa, sentada no seu leito, leu esta carta. Chamou a criada para ajudá-la a vestir. Mandou abrir a janela do seu quarto e encostou as faces às reixas de ferro. Esta janela olhava para o mar, e o mar era nessa noite uma imensa flama de prata; e a Lua esplendidíssima eclipsava o fulgor dumas estrelas, que Teresa procurava no céu.
– São aquelas! – exclamou ela.
– Aquelas quê, minha senhora? – disse Constança.
– As minhas estrelas!… pálidas como eu… A vida! ai! a vida! – exclamou ela, erguendo-se, e passando pela fronte as mãos cadavéricas – Quero viver! Deixai-me viver, ó Senhor!
– Há-de viver, menina! Há-de viver, que Deus é piedoso! – disse a criada. – Mas não tome o ar da noite. Este nevoeiro do rio faz-lhe grande mal.
– Deixa-me, deixa-me, que tudo isto é viver… Não vejo o céu há tanto tempo! Sinto-me ressuscitar aqui, Constança! Porque não tenho eu respirado todas as noites este ar? Eu poderei viver alguns anos? Poderei, minha Constança? Pede tu, pede muito à Virgem Santíssima! Vamos orar ambas!… Vamos, que o Simão não morre… O meu Simão vive e quer que eu viva. Está no Porto amanhã; e talvez já esteja…
– Quem, minha senhora?!
– Simão; o Simão vem para o Porto.