E a ideia que ele ia tê-la nos braços, que ela lhe daria os beijos fogosos que lhe dava a ele, que balbuciaria oh, João! - como agora murmurava oh, Amaro! - enfurecia-o. E não podia evitar o casamento; todos o queriam, ela, o cónego, até a Dionísia com o seu zelo venal!
De que lhe servia ser um homem com sangue nas veias e as paixões fortes dum corpo são? Tinha de dizer adeus à rapariga, - vê-la partir de braço dado com o outro, com o marido, irem ambos para casa brincar com o filho, um filho que era seu! E ele assistiria à destruição da sua alegria de braços cruzados, esforçando-se por sorrir, voltaria a viver só, eternamente só, e a reler o Breviário!... Ah! se fosse no tempo em que se suprimia um homem com uma denúncia de heresia!... Que o mundo recuasse duzentos anos, e o Sr. João Eduardo havia de saber o que custa achincalhar um sacerdote e casar com a menina Amélias...
E esta ideia absurda, na exaltação da febre em que estava, apoderou-se tão fortemente da sua imaginação que toda a noite a sonhou - num sonho vívido, que muitas vezes depois contou rindo às senhoras. Era uma rua estreita batida dum sol ardente; entre as altas portas chapeadas, uma populaça apinhava-se; pelos balcões, fidalgos muito bordados retorciam o bigode cavalheiresco; olhos reluziam, entre as pregas das mantilhas, acesos num furor santo. E pela calçada, a procissão do auto-de-fé movia-se devagar, num vasto ruído, sob o tremendo dobre a finados de todos os sinos vizinhos. Adiante os flagelantes seminus, de capuz branco sobre o rosto, dilaceravam-se, uivando o Miserere, com as costas empastadas de sangue: sobre um jumento ia João Eduardo, idiota de terror, com as pernas pendentes, a camisa alva sarapintada de diabos cor de fogo, tendo no peito um rótulo em que estava escrito - POR HEREGE; por trás um medonho servente do Santo Ofício espicaçava furiosamente o jumento; e ao pi um padre, erguendo alto o crucifixo, berrava-lhe aos ouvidos os conselhos do arrependimento.