Desceu a acordar a mulher do caseiro, e até de madrugada foi uma azáfama para a chamar à vida. Desde esse dia a Gertrudes dormia ao pé dela - e a voz não tornou a ameaçá-la por trás da barra.
Mas, de noite e de dia, não a deixou mais a ideia da morte e o pavor do Inferno. Por esse tempo, um vendedor ambulante de estampas passou pela Ricoça; e a Sra. D. Josefa comprou-lhe duas litografias - a Morte do Justo e a Morte do Pecador.
- Que é bom que cada um tenha o exemplo vivo diante dos olhos, disse ela.
Amélia não duvidou ao princípio que a velha, que contava morrer no mesmo aparato de glória com que expirava o Justo da estampa, lhe quisera mostrar a ela, a pecadora, a cena pavorosa que a esperava. Odiou-a por aquela "picardia". Mas a sua imaginação aterrada não tardou a dar à compra da estampa outra explicação: era Nossa Senhora que ali mandara o vendedor de pinturas, para lhe mostrar ao vivo na litografia da Morte do Pecador o espetáculo da sua agonia: e estava então certa que tudo seria assim, traço por traço - o seu anjo da guarda fugindo aos soluços; Deus Padre desviando o rosto dela com repugnância; o esqueleto da morte rindo às gargalhadas; e demónios de cores rutilantes, com todo um arsenal de torturas, apoderando-se dela, uns pelas pernas, outros pelos cabelos, arrastando-a com uivos de júbilo para a caverna chamejante toda abalada da tormenta de rugidos que solta a Eterna Dor... E ela podia ver ainda, no fundo dos Céus, a grande balança - com um dos pratos muito alto onde as suas orações não pesavam mais que uma pena de canário, e o outro prato caído, de cordas retesadas, sustentando a enxerga da cama do sineiro e as suas toneladas de pecado.