O Primo Basílio - Cap. 4: CAPÍTULO IV Pág. 107 / 414

- Que teremos nós agora? Está com as cócegas.

Desceu. Voltou com o regador, muito enfastiada:

- Quer mais água! Olha a mania; pôs-se agora a chafurdar à meia-noite! Sempre a gente as vê...

Foi encher o regador, e enquanto a água da torneira cantava no fundo da lata:

- E diz que lhe faça amanhã ao almoço um bocado de presunto frito, do salgado. Quer picantes!

E com muito escárnio:

- Sempre a gente vê coisas! Quer picantes!

À meia-noite a casa estava adormecida e apagada. Fora, o céu enegrecera mais; relampejou, e um trovão seco estalou, rolou.

Luísa abriu os olhos estremunhada; começara a cair uma chuva grossa e sonora; a trovoada arrastava-se, ao longe. Esteve um momento escutando as goteiras que cantavam sobre o lajedo; a alcova abafava, descobriu-se; o sono tinha fugido, e de costas, o olhar fixo na vaga claridade que vinha de fora da lamparina, seguia o tique-taque do relógio. Espreguiçou-se, e uma certa idéia, uma certa visão foi-se formando no seu cérebro, completando-se tão nítida, quase tão visível, que se revirou na cama devagar, estirou os braços, lançou-os em roda do travesseiro, adiantando os beiços secos - para beijar uns cabelos negros onde reluziam fios brancos.

Sebastião tinha dormido mal. Acordou às seis horas e desceu ao quintal em chinelas. Uma porta envidraçada da sala de jantar abria para um terraçozinho, largo apenas para três cadeiras de ferro pintado e alguns vasos de cravos; dali, quatro degraus de pedra desciam para o quintal; era uma horta ajardinada, muito cheia, com canteirinhos de flores, saladas muito regadas, pés de roseiras junto dos muros, um poço e um tanque debaixo de uma parreirita, e árvores; terminava por um outro terraço assombreado de uma tília, com um parapeito para uma rua baixa e solitária; defronte corria um muro de quintal muito caiado.





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