O Primo Basílio - Cap. 4: CAPÍTULO IV Pág. 115 / 414

- Ia a tua casa, homem! - disse Sebastião logo.

Julião estranhou a excitação desusada da sua voz.

Havia alguma novidade? Que era?

- Uma do diabo! - exclamou, baixo, Sebastião.

Estavam parados ao pé da confeitaria. Na vidraça, por trás deles, emprateleirava-se uma exposição de garrafas de malvasia com os seus letreiros muito coloridos, transparências avermelhadas de gelatinas, amarelidões enjoativas de doces de ovos, e queques de um castanho-escuro tendo espetados cravos tristes de papel branco ou cor-de-rosa. Velhas natas lívidas amolentavam-se no oco dos folhados; ladrilhos grossos de marmelada esbeiçavam-se ao calor; as empadinhas de marisco aglomeravam as suas crostas ressequidas. E no centro, muito proeminente numa travessa, enroscava-se uma lampreia de ovos medonha e bojuda, com o ventre de um amarelo ascoroso, o dorso malhado de arabescos de açúcar, a boca escancarada; na sua cabeça grossa esbugalhavam-se dois horríveis olhos de chocolates; os seus dentes de amêndoa ferravam-se numa tangerina de chila; e em torno do monstro espapado moscas esvoaçavam.

- Vamos ali para o café - disse Julião. - Aqui na rua arde-se!

- Tenho estado apoquentado - ia dizendo Sebastião. - Muito apoquentado! Quero falar-te.

No café o papel azul-ferrete e as meias portas fechadas abatiam a áspera intensidade da luz, davam uma frescura calada.

Foram-se sentar ao fundo. Do outro lado da rua as fachadas muito caiadas brilhavam com uma radiação faiscante. Por trás do balcão, onde reluziam garrafas de cristal, um criado de jaquetão, estremunhado e esguedelhado, cabeceava de sono. Um pássaro chilreava dentro; sentia-se o bater espaçado das bolas do bilhar através de uma porta de baeta verde; às vezes o pregão de um cangalheiro na rua sobressaia, e - todos estes sons, por momentos se perdiam no ruído forte do descer de um trem travado.





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