O Primo Basílio - Cap. 6: CAPÍTULO VI Pág. 158 / 414

E todavia impacientava-a ter constantemente aquela idéia no espírito, impassível, com uma obstinação espectral; punha-se instintivamente a acumular as justificações: não fora culpa sua. Não abrira os braços a Basílio voluntariamente!... Tinha sido uma fatalidade; fora o calor da hora, o crepúsculo, uma pontinha de vinho talvez... Estava doida, decerto. E repetia consigo as atenuações tradicionais: não era a primeira que enganara seu marido; e muitas era apenas por vício; ela fora por paixão... Quantas mulheres viviam num amor ilegítimo e eram ilustres, admiradas! Rainhas mesmo tinham amantes. E ele amava-a tanto!... Seria tão fiel, tão discreto! As suas palavras eram tão cativantes, os seus beijos tão estonteadores!... E enfim que lhe havia de fazer agora? Já agora!...

E resolveu ir responder-lhe. Foi ao escritório. Logo ao entrar o seu olhar deu com a fotografia de Jorge - a cabeça de tamanho natural - no seu caixilho envernizado de preto. Uma comoção comprimiu-lhe o coração; ficou como tolhida - como uma pessoa encalmada de ter corrido, que entra na frieza de um subterrâneo; e examinava o seu cabelo frisado, a barba negra, a gravata de pontas, as duas espadas encruzadas que reluziam por cima. Se ele soubesse matava. Fez-se muito pálida. Olhava vagamente em redor o casaco de veludo de trabalho dependurado num prego; a manta em que ele embrulhava os pés dobrada a um lado; as grandes folhas de papel de desenho na outra mesa ao fundo, e o potezinho de tabaco, e a caixa das pistolas!... Matava-a decerto!

Aquele quarto estava tão penetrado da personalidade de Jorge, que lhe parecia que ele ia voltar, entrar daí a bocado. Se ele viesse de repente!... Havia três dias que não recebia carta - e quando ela estivesse ali a escrever ao seu num momento o outro podia aparecer e apanhá-la!.





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