- Não, obrigado. Vinha dizer-lhe... Não sabe? A D. Felicidade...
- O quê?
- Torceu um pé. Está mal.
- Que me diz?
Sebastião deu os pormenores.
- Vou lá já.
- Deve ir. Eu não posso ir, não entram homens. Coitada! Diz que está mal. - Acompanhou-a até à esquina da rua, ofereceu-lhe mesmo a tipóia: - E muitos recados que tenho pena de a não ver!... Pobre senhora! E diz que está num frenesi!
Viu-a afastar para a Patriarcal, e, admirando a graça da sua figura, esfregava as mãos satisfeito.
Estavam justificadas, santificadas mesmo aquelas passeatas todos os dias! Ia ser a enfermeira da pobre D. Felicidade! Era necessário que todos soubessem: o Paula, a estanqueira, a Gertrudes, as Azevedos, todos, de modo que quando a vissem de manhã subir a rua, dissessem: "Lá vai fazer companhia à doente! Santa senhora".
O Paula estava à porta da loja - e Sebastião com uma idéia súbita, entrou. Estava-se estimando de se sentir tão fecundo em expedientes, tão hábil!
Deitou um pouco O chapéu para a nuca, e mostrando com o guarda-sol o painel que representava D. João VI:
- Quanto quer vossemecê por isto, ó Sr. Paula?
O Paula ficou surpreendido:
- O Sr. Sebastião está a brincar?
Sebastião exclamou:
- A brincar? - Falava muito sério! Queria uns quadros para a sala de entrada, em Almada; mas velhos, sem caixilho, para dizerem bem sobre um papel escuro. - Como isto! Estou a brincar! Ora essa, homem!
- Desculpe, Sr. Sebastião... Pois nesse caso há por aí alguns painéis a calhar.
- Este D. João VI agrada-me. Quanto custa isto?
O Paula disse, sem hesitar:
- Sete mil e duzentos. Mas é obra de mestre.
Era uma tela desbotada de tom defumado, onde uns restos de face avermelhada, com uma cabeleira em cachos, sobressaíam vagamente sobre um fundo sombrio.