Mas Mefistófeles ia arrastando a boa Marta; Fausto e Margarida perdiam-se nas sombras cúmplices do jardim afrodisíaco - e o Conselheiro observou que todo aquele ato era um pouco fresco.
D. Felicidade murmurou-lhe - entre repreensiva e extática:
- Quantas cenas não terá tido assim, maganão!
O Conselheiro fitou-a, indignado:
- O quê, minha senhora? Levar a desonra ao seio de uma família!
Luísa fez-lhe chuta, sorrindo. Interessava-se agora. Tinha escurecido; uma faixa de luz elétrica enchia o jardim de um vago luar azulado, onde os maciços arredondados se recortavam a pastas escuras; e Fausto e Margarida enlaçados, quase desfalecidos soltavam de um modo expirante o seu dueto: uma sensualidade delicada e moderna, com relances de um requinte devoto, arrastava-se na orquestra gemente; o tenor esforçava-se, agarrando o peito, com um jeito mórbido dos quadris, o olhar anuviado; e desprendendo-se da lânguida arcada dos violoncelos, o canto subia para as estrelas...
Al pallido chiarore dei astri d'oro.
Mas o coração de Luísa batia precipitadamente; vira-se de repente sentada no divã, na sua sala, ainda tomada dos soluços do adultério, e Basílio, com o charuto ao canto da boca, batia distraído no piano aquela ária - "Al pallido chiarore dei astri d'oro". Dessa noite tinha vindo toda a sua miséria! - e subitamente, como longos véus fúnebres que descem e abafam, as recordações de Juliana, da casa, de Sebastião, vieram escurecer-lhe a alma.
Olhou o relógio. Eram dez horas. Que se passaria?
- Estás incomodada? - perguntou-lhe Jorge.
- Um pouco.
Margarida apoiava-se, expirante de voluptuosidade, ao rebordo da sua janelinha. Fausto corre. Enlaçam-se. E entre as gargalhadas do Diabo e o roncar dos rabecões - o pano desceu, pondo uma reticência pudica.