D. Felicidade, abrasada, quis água. Jorge apressou-se: queria bolos? Neve? A excelente senhora hesitou; o chique da neve atraía-a, mas coibiu-se com terror da cólica. Veio sentar-se ao fundo ao pé de Luísa, e ficou a olhar, vagamente cansada; havia um sussurro lento; bocejava-se discretamente; e o fumo dos cigarros, entrando de fora, fazia uma névoa apenas perceptível que enchia a sala, ia prender-se ao lustre, embaciando ligeiramente as luzes. Quando Jorge saiu o Conselheiro acompanhou-o; ia acima tomar o seu copo de gelatina...
- É a minha ceia em dia de São Carlos - disse.
Voltou daí a pouco, limpando os beiços ao lenço de seda, ter com Jorge que fumava no pequeno patamar junto à entrada das cadeiras:
- Veja isto, Conselheiro! - disse-lhe logo Jorge indignado, mostrando a parede. - Que escândalo!
Tinham desenhado, com o charuto apagado sobre a parede caiada, enormes figuras obscenas; e alguém, prudente e amigo da clareza, ajuntara por baixo as designações sexuais com uma boa letra cursiva.
E Jorge, revoltado:
- E passam por aqui senhoras! Vêem, lêem! Isto só em Portugal!...
O Conselheiro disse:
- A autoridade devia intervir, decerto... - Acrescentou com bonomia: - São rapazes, com o charuto. Apreciam muito esta distração... - E sorrindo, recordando-se: - Uma ocasião mesmo, o Conde de Vila Rica, que tem graça, muita graça, insistiu comigo, dando-me o charuto, para que eu fizesse um desenho... - E mais baixo: - Eu dei-lhe uma lição severa. Tomei o charuto...
- E fumou-o?
- Escrevi.
- Uma obscenidade?
O Conselheiro, recuando, exclamou com severidade:
- Jorge, conhece o meu caráter! Pois supõe...? - E acalmando-se: - Não, tomei o charuto e escrevi com mão firme: HONRA AO MÉRITO!
Mas a campainha retiniu, entraram no camarote.