O Primo Basílio - Cap. 3: CAPÍTULO III Pág. 61 / 414

E acordada, às voltas, com aflições no coração, Juliana sentia a vida pesar-lhe, com uma amargura maior!

Nascera em Lisboa. O seu nome era Juliana Couceiro Tavira. Sua mãe fora engomadeira; e desde pequena tinha conhecido em casa um sujeito, a quem chamavam na vizinhança - o "Fidalgo", a quem sua mãe chamava - o senhor D. Augusto. Vinha todos os dias, de tarde no verão, no inverno de manhã, para a saleta onde sua mãe engomava, e ali estava horas sentado no poial da janela que dava para um quintalejo, fumando cachimbo, cofiando em silêncio um enorme bigode preto. Como o poial era de pedra, punha-lhe em cima, com muito método, uma almofada de vento, que ele mesmo soprava. Era calvo, e trazia ordinariamente uma quinzena de veludo castanho e chapéu alto branco. Às seis horas levantava-se, esvaziava a almofada, estava um bocado a esticar as calças para cima, e saía, com a sua grossa bengala de cana-da-índia debaixo do braço, gingando da cinta. Ela e sua mãe iam então jantar na mesinha de pinho da cozinha debaixo de um postigo, diante do qual se balouçavam, de verão e de inverno, galhos magros de uma árvore triste.

À noite o senhor D. Augusto voltava; trazia sempre um jornal; sua mãe fazia-lhe chá e torradas, servia-o, toda enlevada nele. Muitas vezes Juliana a vira chorar de ciúmes.

Um dia uma vizinha má, a quem ela não quisera ajudar a lavar a roupa, enfureceu-se, e atirando-lhe injúrias dos degraus da porta - gritou-lhe que sua mãe era uma desavergonhada, e que seu pai estava na África por ter morto o Rei de Copos!

Pouco tempo depois foi servir. Sua mãe morreu daí a meses, com uma doença de útero. Juliana só uma vez tornou a ver o senhor D. Augusto - uma tarde, com uma opa roxa, lúgubre, na procissão de Passos!

Servia, havia vinte anos.





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