O Primo Basílio - Cap. 3: CAPÍTULO III Pág. 62 / 414

Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter um negociozito, uma tabacaria, uma loja de capelista ou de quinquilharias, dispor, governar, ser patroa; mas, apesar de economias mesquinhas e de cálculos sôfregos, o mais que conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos; tinha então adoecido; com o horror do hospital fora tratar-se para casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! derretera-se! No dia em que se trocou a última libra, chorou horas com a cabeça debaixo da roupa.

Ficou sempre adoentada desde então; perdeu toda a esperança de se estabelecer. Teria de servir até ser velha, sempre, de amo em amo! Essa certeza dava-lhe uma desconsolação constante. Começou a azedar-se.

E depois não tinha "jeito", não sabia tirar partido das casas; via companheiras divertir-se, vizinhar, janelar, bisbilhotar, sair aos domingos às hortas e aos

retiros; levar o dia cantando, e quando as patroas iam ao teatro, abrir a porta aos derriços - e patuscar pelos quartos! Ela não. Sempre fora embezerrada. Fazia a sua obrigação, comia, ia estirar-se sobre a cama; e aos domingos, quando não passeava, encostava-se a uma janela, com o lenço sobre o peitoril para não roçar as mangas, e ali estava imóvel, a olhar, com o seu broche de filigrana e a cuia dos dias santos! Outras companheiras





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