O Primo Basílio - Cap. 4: CAPÍTULO IV Pág. 83 / 414

descem, sobem rapidamente, com um trote discreto e alegre; e as lanternas fazem em toda a avenida um movimento jovial de pontos de luz; vultos brancos e mimosos de mulheres reclinam-se nas almofadas, balançadas nas molas macias; o ar em redor tem uma doçura aveludada, e os castanheiros espalham um aroma sutil. Dos dois lados, dentre os arvoredos, saltam as claridades violentas dos cafés cantantes, cheios do bruaá das multidões alegres, dos brios impulsivos das orquestras, os restaurantes flamejam; há uma intensidade de vida amorosa e feliz; e, para além, sai das janelas dos palacetes, através dos estores de seda, a luz sóbria e velada das existências ricas. Ah! Se lá estivesse! - Mas ao passar junto dos candeeiros olhava de lado para Luísa; o seu perfil fino sob o véu branco tinha uma grande doçura; o vestido prendia bem a curva do seu peito; e havia no seu andar uma lassidão que lhe quebrava a linha da cinta de um modo lânguido e prometedor.

Veio-lhe uma certa idéia, começou a dizer: Que pena que não houvesse em toda a Lisboa um restaurante, onde se pudesse ir tomar uma asa de perdiz e beber uma garrafa de champanhe frappe!

Luísa não respondeu. Devia ser delicioso - pensava. - Mas D. Felicidade exclamou:

- Perdiz, a esta hora!

- Perdiz ou outra qualquer coisa.

Fosse o que fosse, era para estourar! Credo!

Subiam pela Rua Nova do Carmo. Os candeeiros davam uma luz mortiça; as altas casas dos dois lados, apagadas, entalavam, carregavam a sombra; e a patrulha muito armada, descia passo a passo, sem ruído, sinistra e sutil.

Ao Chiado um garoto de barrete azul perseguiu-os com cautelas de loteria; a sua voz aguda e chorosa prometia a fortuna, muitos contos de réis. D. Felicidade ainda parou, com uma tentação.





Os capítulos deste livro