O Dr. Barbedo convidara-o a assistir a uma operação ovariotómica. E enfim (mas esta consagração não a esperava realmente Carlos tão cedo) alguns dos seus bons colegas, que até aí, vendo-o só a governar os seus cavalos ingleses, falavam do «talento do Maia» - agora percebendo-lhe estas migalhas de clientela, começavam a dizer «que o Maia era um asno.» Carlos já falava a sério da sua carreira. Escrevera, com laboriosos requintes de estilista, dois artigos para a Gazeta Medica; e pensava em fazer um livro de ideias gerais, que se devia chamar Medicina Antiga e Moderna. De resto ocupava-se sempre dos seus cavalos, do seu luxo, do seu bric-à-brac. E através de tudo isto, em virtude dessa fatal dispersão de curiosidade que, no meio do caso mais interessante de patologia, lhe fazia voltar a cabeça, se ouvia falar de uma estátua ou de um poeta, atraía-o singularmente a antiga ideia do Ega, a criação de uma Revista, que dirigisse o gosto, pesasse na política, regulasse a sociedade, fosse a força pensante de Lisboa...
Era porém inútil lembrar ao Ega este belo plano. Abria um olho vago, respondia:
- Ah, a Revista... Sim, está claro, pensar nisso! Havemos de falar, eu aparecerei...
Mas não aparecia no Ramalhete, nem no consultório; apenas se avistavam, às vezes, em S. Carlos, onde o Ega, todo o tempo que não passava no camarote dos Cohens, vinha invariavelmente refugiar-se no fundo da frisa de Carlos, por trás de Taveira ou do Cruges;
de onde pudesse olhar de vez em quando Rachel Cohen - e ali ficava, silencioso, com a cabeça apoiada ao tabique, repousando e como saturado de felicidade...
O dia (dizia ele) tinha-o todo tomado: andava procurando casa, andava estudando mobílias... Mas era fácil encontrá-lo pelo Chiado e pelo Loreto, a rondar e a farejar - ou então no fundo de tipoias de praça, batendo a meio galope, num espalhafato de aventura.
O seu dandismo requintava; arvorara, com o desplante soberbo de um Brumel, casaca de botões amarelos sobre colete de cetim branco; e Carlos entrando uma manhã cedo no Universal, deu com ele pálido de cólera, a despropositar com um criado, por causa de uns sapatos mal envernizados.