Mas em todos os seus modos (mesmo no disfarce afectado com que espreitava as horas) transbordava a imensa vaidade daquele adultério elegante. De resto sentia bem que os seus amigos conheciam a gloriosa aventura, o sabiam em pleno drama: era mesmo talvez por isso, que, diante de Carlos e dos outros, nunca até aí mencionara o nome dela, nem deixara jamais escapar um lampejo de exaltação.
Uma noite, porém, acompanhando Carlos até ao Ramalhete, noite de lua calma e branca, em que caminhavam ambos calados, Ega, invadido decerto por uma onda interior de paixão, soltou desabafadamente um suspiro, alargou os braços, declamou com os olhos no astro, um tremor na voz:
Oh! laisse-toi donc aimer, oh! l'amour c'est la vie!
Isto fugira-lhe dos lábios como um começo de confissão; Carlos ao lado não disse nada, soprou ao ar o fumo do charuto.
Mas Ega sentiu-se decerto ridículo, porque se calmou, refugiou-se imediatamente no puro interesse literário:
- No fim de contas, menino, digam lá o que disserem, não há senão o velho Hugo...
Carlos, consigo, lembrava furores naturalistas do Ega, rugindo contra Hugo, chamando-lhe «saco-roto de espiritualismo», «boca-aberta de sombra», «avozinho lírico», injúrias piores.
Mas nessa noite o grande fraseador continuou:
- Ah o velho Hugo! o velho Hugo é o campeão heroico de verdades eternas... É necessário um bocado de ideal, que diabo!... De resto o ideal pode ser real...
E foi, com esta palinódia, acordando os silêncios do Aterro.
Dias depois Carlos, no consultório, acabava de despedir um doente, um Viegas, que todas as semanas vinha ali fazer a fastidiosa crónica da sua dispepsia - quando do reposteiro da sala d'espera lhe surgiu o Ega, de sobrecasaca azul, luva gris-perle e um rolo de papel na mão.
- Tens que fazer, doutor?
- Não, ia a sair, janota!
- Bem. Venho-te impingir prosa... Um bocado do Átomo... Senta-te aí. Ouve lá.