Tudo isto se precipitava como um sonoro e tumultuoso soluço; e era tratado com as maneiras modernas de estilo, o esforço atormentado inchando a expressão, as camadas de cor atiradas à larga para fazer ressaltar o tom de vida...
Ao findar o Átomo exclamava, com a vasta solenidade de um cheio de órgão: - «assim arrefeceu, parou, aquele coração de herói que eu habitava; e evaporado o princípio de vida, eu, agora livre, remontei aos astros, levando comigo a essência pura desse amor imortal.»
- Então?... disse Ega, esfalfado, quase trémulo.
Carlos só pôde responder:
- Está ardente.
Depois elogiou a sério alguns lances, o coro das florestas, a leitura do Eclesiastes, de noite, entre as ruínas da torre de Othon, certas imagens de um grande voo lírico.
Ega, que tinha pressa, como sempre, enrolou o manuscrito, reabotoou a sobrecasaca, e já de chapéu na mão:
- Então, parece-te apresentável?...
- Vais publicar?
- Não, mas enfim... - e ficou nesta reticência, fazendo-se corado.
Carlos compreendeu tudo dias depois, encontrando na Gazeta do Chiado uma descrição «da leitura feita em casa do Exmo. Sr. Jacob Cohen, pelo nosso amigo João da Ega, de um dos mais brilhantes episódios do seu livro - As memórias de um átomo.» E o jornalista acrescentava, dando a sua impressão pessoal: «é uma pintura dos sofrimentos porque passaram, nos tempos da intolerância religiosa, aqueles que seguem a Lei de Israel. Que poder de imaginação! Que fluência de estilo! O efeito foi extraordinário, e quando o nosso amigo fechou o manuscrito ao sucumbir da protagonista - vimos lágrimas em todos os olhos da numerosa e estimável colónia hebraica!»
Oh, furor do Ega! Rompeu nessa tarde pelo consultório, pálido, desorientado...
- Estas bestas! Estas bestas destes jornalistas! Leste? Lágrimas em todos os olhos da numerosa e estimável colónia hebraica! Faz cair a coisa em ridículo... E depois a fluência de estilo. Que burros! Que idiotas!
Carlos, que cortava as folhas de um livro, consolou-o. Aquela era a maneira nacional de falar de obras de arte... Não valia a pena bramar...