Baptista tirou do bolso interior da sua casaca um livro de apontamentos, aproximou-se da luz, encavalou a luneta no nariz, e verificou, com método, estas datas: - «Dia 1 de janeiro, telegrama expedido com felicitações do começo de ano a madame Rughel, Hotel d'Albe, Champs Élyseés, Paris. Dia 3, telegrama recebido de madame Rughel, reciprocando comprimentos, exprimindo amizade, anunciando partida para Hamburgo. Dia 15, carta lançada ao correio, para madame Rughel, Wiliam-Strasse, Hamburgo, Alemagne. Depois - mais nada. De modo que havia já cinco semanas que o menino não escrevia a madame Rughel...
- É necessário escrever amanhã, disse Carlos.
Baptista tomou uma nota.
Depois, entre uma fumaça languida, a voz de Carlos ergueu-se de novo na paz dormente do quarto:
- Madame Rughel era muito bonita, não é verdade, Baptista? É a mulher mais bonita que tu tens visto na tua vida!
O velho criado meteu o livro no bolso da casaca, e respondeu, sem hesitar, muito certo de si:
- Madame Rughel era uma senhora de muita vista. Mas a mulher mais linda em que tenho posto os olhos, se o menino dá licença, era aquela senhora do coronel de hussards que vinha ao quarto do hotel em Viena.
Carlos atirou a cigarete para a salva - e escorregando pela roupa abaixo, todo invadido por uma onda de recordações alegres, exclamou da profundidade do seu conforto, no antigo tom de ênfase boémia dos Paços de Celas.
- O Sr. Baptista não tem gosto nenhum! Madame Rughel era uma ninfa de Rubens, senhor! Madame Rughel tinha o esplendor de uma deusa da Renascença, senhor! Madame Rughel devia ter dormido no leito imperial de Carlos Quinto... - Retire-se, senhor!
Baptista entalou mais o couvre-pieds, relanceou pelo quarto um olhar solícito, e, contente da ordem em que as coisas adormeciam, saiu, levando o candeeiro. Carlos não dormia: e não pensava na coronela de hussards, nem em madame Rughel.