Os Maias - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 13 / 630

Odiando tudo o que era inglês, não consentira que seu filho, o Pedrinho, fosse estudar ao colégio de Richmond. Debalde Afonso lhe provou que era um colégio católico! Não queria: aquele catolicismo sem romarias, sem fogueiras pelo S. João, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades nas ruas - não lhe parecia a religião. A alma do seu Pedrinho não abandonaria ela à heresia; - e para o educar mandou vir de Lisboa o padre Vasques, capelão do Conde de Runa.

O Vasques ensinava-lhe as declinações latinas, sobretudo a cartilha: e a face de Afonso da Maia cobria-se de tristeza, quando ao voltar de alguma caçada ou das ruas de Londres, dentre o forte rumor da vida livre - ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo, perguntando como do fundo de uma treva:

- Quantos são os inimigos da alma?

E o pequeno, mais dormente, lá ia murmurando:

- Três. Mundo, Diabo e Carne...

Pobre Pedrinho! Inimigo da sua alma só havia ali o reverendo Vasques, obeso e sórdido, arrotando do fundo da sua poltrona, com o lenço do rapé sobre o joelho...

Às vezes Afonso, indignado, vinha ao quarto, interrompia a doutrina, agarrava a mão do Pedrinho - para o levar, correr com ele sob as árvores do Tamisa, dissipar-lhe na grande luz do rio o pesadume crasso da cartilha. Mas a mamã acudia de dentro, em terror, a abafá-lo numa grande manta: depois lá fora o menino, acostumado ao colo das criadas e aos recantos estofados, tinha medo do vento e das árvores: e pouco a pouco, num passo desconsolado, os dois iam pisando em silêncio as folhas secas - o filho todo acobardado das sombras do bosque vivo, o pai vergando os ombros pensativo, triste daquela fraqueza do filho...

Mas o menor esforço dele para arrancar o rapaz àqueles braços de mãe que o amoleciam, àquela cartilha mortal do padre Vasques - trazia logo à delicada senhora acessos de febre. E Afonso não se atrevia já a contrariar a pobre doente, tão virtuosa, e que o amava tanto!





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