Os Maias - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 14 / 630

Ia então lamentar-se para o pé da tia Fany: a sabia irlandesa metia os óculos entre as folhas do seu livro, tratado de Addisson ou poema de Pope, e encolhia melancolicamente os ombros. Que podia ela fazer!...

Por fim a tosse de Maria Eduarda foi aumentando - como a tristeza das suas palavras. Já falava da «sua ambição derradeira», que era ver o sol uma vez mais! Por que não voltariam a Benfica, ao seu lar, agora que o Sr. Infante estava também desterrado e que havia uma grande paz? Mas a isso Afonso não cedeu: não queria ver outra vez as suas gavetas arrombadas a coronhadas - e os soldados do Sr. D. Pedro não lhe davam mais garantias que os malsins do Sr. D. Miguel.

Por esse tempo veio um grave desgosto à casa: a tia Fany morreu, de uma pneumonia, nos frios de março; e isto enegreceu mais a melancolia de Maria Eduarda, que a amava muito também - por ser irlandesa e católica.

Para a distrair, Afonso levou-a para a Itália, para uma deliciosa vila ao pé de Roma. Aí não lhe faltava o sol: tinha-o pontual e generoso todas as manhãs, banhando largamente os terraços, dourando loureirais e mirtos. E depois, lá em baixo, entre mármores, estava a coisa preciosa e santa, o Papa!

Mas a triste senhora continuava a choramigar. O que realmente apetecia era Lisboa, as suas novenas, os santos devotos do seu bairro, as procissões passando num rumor de pachorrenta penitência por tardes de sol e de poeira...

Foi necessário acalmá-la, voltar a Benfica.

Aí começou uma vida desconsolada. Maria Eduarda definhava lentamente, todos os dias mais pálida, levando semanas imóvel sobre um canapé, com as mãos transparentes cruzadas sobre as suas grossas peles de Inglaterra. O padre Vasques, apoderando-se daquela alma aterrada para quem Deus era um amo feroz, tornara-se o grande homem da casa. De resto Afonso encontrava a cada momento pelos corredores outras figuras canónicas, de capote e solidéu, em que reconhecia antigos franciscanos, ou algum magro capuchinho parasitando no bairro; a casa tinha um bafio de sacristia; e dos quartos da senhora vinha constantemente, dolente e vago, um rumor de ladainha.





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