Ia cortar as guitas da rolha, quando o atravessou uma súbita recordação, e pousando a garrafa outra vez, entalando o monóculo no olho:
- É verdade! Então, noutro dia, que tal, em casa dos Gouvarinhos? Eu infelizmente não pôde ir.
Carlos contou a soirée. Havia dez pessoas, espalhadas pelas duas salas, num zum-zum dormente, à meia luz dos candeeiros. O conde maçara-o indiscretamente com a política, admirações idiotas por um grande orador, um deputado de Mesão Frio, e explicações sem fim sobre a reforma da instrução. A condessa, que estava muito constipada, horrorizou-o, dando sobre a Inglaterra, apesar de inglesa, as opiniões da rua de Cedofeita. Imaginava que a Inglaterra é um país sem poetas, sem artistas, sem ideais, ocupando-se só de amontoar libras... Enfim, secara-se.
- Que diabo! murmurou o Ega num tom de viva desconsolação.
A rolha estalou, ele encheu os copos em silêncio; e numa saúde muda os dois amigos beberam o Champagne - que Jacob arranjara ao Ega, para o Ega se regalar com Rachel.
Depois, de pé, com os olhos no tapete, agitando devagar o copo novamente cheio onde a espuma morria, Ega tornou a murmurar, naquela entoação triste de inesperado desapontamento:
- Que ferro!...
E após um momento:
- Pois menino, pensei que a Gouvarinho te apetecia...
Carlos confessou que nos primeiros dias, quando Ega lhe falara dela, tivera um caprichosinho, interessara-se por aqueles cabelos cor de brasa...
- Mas agora, mal a conheci, o capricho foi-se...
Ega sentara-se, com o copo na mão; e depois de contemplar algum tempo as suas meias de seda, escarlates como as de um prelado, deixou cair, muito sério, estas palavras:
- É uma mulher deliciosa, Carlinhos.
E, como Carlos encolhia os ombros, Ega insistiu: a Gouvarinho era uma senhora de inteligência e de gosto; tinha originalidade, tinha audácia, uma pontinha de romantismo muito picante...
- E, como corpinho de mulher, não há melhor que aquilo de Badajoz para cá!
- Vai-te daí, Mefistófeles de Celorico!