Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 131 / 630

E Ega, divertido, cantarolou:

Je suis Mefisto...

Je suis Mefisto...

Carlos no entanto, fumando preguiçosamente, continuava a falar na Gouvarinho e nessa brusca saciedade que o invadira, mal trocara com ela três palavras numa sala. E não era a primeira vez que tinha destes falsos arranques de desejo, vindo quase com as formas do amor, ameaçando absorver, pelo menos por algum tempo, todo o seu ser, e resolvendo-se em tédio, em «seca». Eram como os fogachos de pólvora sobre uma pedra; uma fagulha ateia-os, num momento tornam-se chama veemente que parece que vai consumir o Universo, e por fim fazem apenas um rastro negro que suja a pedra. Seria o seu um desses corações de fraco, moles e flácidos, que não podem conservar um sentimento, o deixam fugir, escoar-se pelas malhas lassas do tecido reles?

- Sou um ressequido! disse ele sorrindo. Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar...

- Que frases essas, menino! murmurou Ega.

Como frases? Era uma atroz realidade! Passava a vida a ver as paixões falharem-lhe nas mãos como fósforos. Por exemplo, com a coronela de hussards em Viena! Quando ela faltou ao primeiro rendez-vous, chorara lágrimas como punhos, com a cabeça enterrada no travesseiro e aos coices à roupa. E daí a duas semanas, mandava postar o Baptista à janela do hotel, para ele se safar, mal a pobre coronela dobrasse a esquina! E com a holandesa, com Madame Rughel, pior ainda. Nos primeiros dias foi uma insensatez: queria-se estabelecer para sempre na Holanda, casar com ela (apenas ela se divorciasse), outras loucuras; depois os braços que ela lhe deitava ao pescoço, e que lindos braços, pareciam-lhe pesados como chumbo...

- Passa fora, pedante! E ainda lhe escreves! gritou Ega.

- Isso é outra coisa. Ficamos amigos, puras relações de inteligência. Madame Rughel é uma mulher de muito espirito. Escreveu um romance, um desses estudos íntimos e delicados, como os de Miss Brougthon: chama-se as Rosas Murchas. Eu nunca li‚ é em holandês...





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