Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 6: Capítulo 6

Página 141

Dâmaso teve a satisfação de poder dar detalhes; conhecera a rapariga, a que dera as facadas, quando ela era amante do visconde da Ermidinha... Se era bonita? Muito bonita. Umas mãos de duquesa... E como aquilo cantava o fado! O pior era que mesmo no tempo do visconde, quando ela era chic, já se empiteirava... E o visconde, honra lhe seja, nunca lhe perdera a amizade; respeitava-a, mesmo depois de casado ia vê-la, e tinha-lhe prometido que se ela quisesse deixar o fado lhe punha uma confeitaria para os lados da Sé. Mas ela não queria. Gostava daquilo, do Bairro Alto, dos cafés de lepes, dos chulos...

Esse mundo de fadistas, de faias, parecia a Carlos merecer um estudo, um romance... Isto levou logo a falar-se do Assomoir, de Zola e do realismo: - e o Alencar imediatamente, limpando os bigodes dos pingos de sopa, suplicou que se não discutisse, à hora asseada do jantar, essa literatura latrinária. Ali todos eram homens de asseio, de sala, hein? Então, que se não mencionasse o excremento!

Pobre Alencar! O naturalismo; esses livros poderosos e vivazes, tirados a milhares de edições; essas rudes análises, apoderando-se da Igreja, da Realeza, da Burocracia, da Finança, de todas as coisas santas, dissecando-as brutalmente e mostrando-lhes a lesão, como a cadáveres num anfiteatro; esses estilos novos, tão precisos e tão dúcteis, apanhando em flagrante a linha, a cor, a palpitação mesma da vida; tudo isso (que ele, na sua confusão mental, chamava a Ideia nova) caindo assim de chofre e escangalhando a catedral romântica, sob a qual tantos anos ele tivera altar e celebrara missa, tinha desnorteado o pobre Alencar e tornara-se o desgosto literário da sua velhice. Ao princípio reagiu. «Para pôr um dique definitivo à torpe maré», como ele disse em plena Academia, escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu; a «maré torpe» alastrou-se, mais profunda, mais larga. Então Alencar refugiou-se na moralidade como numa rocha solida. O naturalismo, com as suas aluviões de obscenidade, ameaçava corromper o pudor social? Pois bem. Ele, Alencar, seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons costumes.

<< Página Anterior

pág. 141 (Capítulo 6)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Maias
Páginas: 630
Página atual: 141

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 26
Capítulo 3 45
Capítulo 4 75
Capítulo 5 98
Capítulo 6 126
Capítulo 7 162
Capítulo 8 189
Capítulo 9 218
Capítulo 10 260
Capítulo 11 301
Capítulo 12 332
Capítulo 13 365
Capítulo 14 389
Capítulo 15 439
Capítulo 16 511
Capítulo 17 550
Capítulo 18 605