Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 150 / 630

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Mas ambos se voltaram ouvindo, no grupo dos outros, junto à mesa, estridências de voz, e como um conflito que rompia: Alencar, sacudindo a grenha, gritava contra a palhada filosófica; e do outro lado, com o cálice de cognac na mão, Ega, pálido e afectando uma tranquilidade superior, declarava toda essa babuje lírica que por aí se publica digna da polícia correccional...

- Pegaram-se outra vez, veio dizer Dâmaso a Carlos, aproximando-se da varanda. É por causa do Craveiro. Estão ambos divinos!

Era com efeito a propósito de poesia moderna, de Simão Craveiro, do seu poema a Morte de Satanás. Ega estivera citando, com entusiasmo, estrofes do episódio da Morte, quando o grande esqueleto simbólico passa em pleno sol no Boulevard, vestido como uma cocote, arrastando sedas rumorosas

«E entre duas costelas, no decote,»

«Tinha um bouquet de rosas!»

E o Alencar, que detestava o Craveiro, o homem da Ideia nova, o paladino do Realismo, triunfara, cascalhara, denunciando logo nessa simples estrofe dois erros de gramatica, um verso errado, e uma imagem roubada a Beaudelaire!

Então Ega, que bebera um sobre outro dois cálices de cognac, tornou-se muito provocante, muito pessoal.

- Eu bem sei por que tu falas, Alencar, dizia ele agora. E o motivo não é nobre. É por causa do epigrama que ele te fez:

O Alencar d'Alenquer,

Aceso com a primavera...

- Ah, vocês nunca ouviram isto? continuou ele voltando-se, chamando os outros. É delicioso, é das melhores coisas do Craveiro. Nunca ouviste, Carlos? É sublime, sobre tudo esta estrofe:

O Alencar d'Alenquer

Que quer? Na verde campina

Não colhe a tenra bonina

Nem consulta o malmequer...

Que quer? Na verde campina

O Alencar d'Alenquer

Quer menina!

Eu não me lembro do resto, mas termina com um grito de bom senso, que é a verdadeira crítica de todo esse lirismo pandilha:

O Alencar d'Alenquer

Quer cacete!

Alencar passou a mão pela testa lívida, e com o olho cavo fito no outro, a voz rouca e lenta:

- Olha, João da Ega, deixa-me dizer-te uma coisa, meu rapaz...





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