Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 155 / 630

Era quando os rapazes ainda tinham um resto de calor das guerras civis, e o calmavam indo em bando varrer botequins ou rebentando pilecas de seges em galopadas para Sintra. Sintra era então um ninho de amores, e sob as suas românticas ramagens as fidalgas abandonavam-se aos braços dos poetas. Elas eram Elviras, eles eram Antonys. O dinheiro abundava; a corte era alegre; a Regeneração literata e galante ia engrandecer o país, belo jardim da Europa; os bacharéis chegavam de Coimbra, frementes de eloquência; os ministros da coroa recitavam ao piano; o mesmo sopro lírico inchava as odes e os projectos de lei...

- Lisboa era bem mais divertida, disse Carlos.

- Era outra coisa, meu Carlos! Vivia-se! Não existiriam esses ares científicos, toda essa palhada filosófica, esses badamecos positivistas... Mas havia coração, rapaz! Tinha-se faísca! Mesmo nessas coisas da política... Vê esse chiqueiro agora aí, essa malta de bandalhos... Nesse tempo ia-se ali à câmara e sentia-se a inspiração, sentia-se o rasgo!... Via-se luz nas cabeças!... E depois, menino, havia muitíssimo boas mulheres.

Os ombros descaíam-lhe na saudade desse mundo perdido. E parecia mais lúgubre, com a sua grenha de inspirado saindo-lhe de sob as abas largas do chapéu velho, a sobrecasaca coçada e mal feita colando-se-lhe lamentavelmente às ilhargas.

Um momento caminharam em silêncio. Depois, na rua das Janelas Verdes, o Alencar quis refrescar. Entraram numa pequena venda, onde a mancha amarela de um candeeiro de petróleo destacava numa penumbra de subterrâneo, alumiando o zinco húmido do balcão, garrafas nas prateleiras, e o vulto triste da patroa com um lenço amarrado nos queixos. Alencar parecia íntimo no estabelecimento: apenas soube que a Sr.ª Cândida estava com dor de dentes, aconselhou logo remédios, familiar, descido das nuvens românticas, com os cotovelos sobre o balcão. E quando Carlos quis pagar a cana branca zangou-se, bateu a sua placa de dois tostões sobre o zinco polido, exclamou com nobreza:

- Eu é que faço a honra da bodega, meu Carlos!





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