Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 156 / 630

Nos palácios os outros pagarão... Cá na taberna pago eu!

Á porta tomou o braço de Carlos. Depois de alguns passos lentos no silêncio da rua, parou de novo, e murmurou numa voz vaga, contemplativa, como repassada da vasta solenidade da noite:

- Aquela Rachel Cohen é divinamente bela, menino! Tu conhece-la?

- De vista.

- Não te faz lembrar uma mulher da Bíblia? Não digo lá uma dessas viragos, uma Judith, uma Dalila... Mas um desses lírios poéticos da Bíblia...É seráfica!

Era agora a paixão platónica do Alencar, a sua dama, a sua Beatriz...

- Tu viste há tempos, no Diário Nacional, os versos que eu lhe fiz?

«Abril chegou! Sê minha»

Dizia o vento à rosa.

Não me saiu mau! Aqui há uma maliciazinha: Abril chegou, sê minha... Mas logo: dizia o vento à rosa. Compreendes? Calhou bem este efeito. Mas não imagines lá outras coisas, ou que lhe faço a corte... Basta ser a mulher do Cohen, um amigo, um irmão... E a Rachel, para mim, coitadinha, é como uma irmã... Mas é divina. Aqueles olhos, filho, um veludo líquido!...

Tirou o chapéu, refrescou a fronte vasta. Depois noutro tom, e como a custo:

- Aquele Ega tem muito talento... vai lá muito aos Cohens... A Rachel acha-lhe graça...

Carlos parara, estavam defronte do Ramalhete. Alencar deu um olhar à severa frontaria de convento, adormecida, sem um ponto de luz.

- Tem bom ar esta vossa casa... Pois entra tu, meu rapaz, que eu vou andando por aqui para a minha toca. E quando quiseres, filho, lá me tens na rua do Carvalho, 52, 3.º andar. O prédio é meu, mas eu ocupo o terceiro andar. Comecei por habitar no primeiro, mas tenho ido trepando... A única coisa mesmo que tenho trepado, meu Carlos, é de andares...

Teve um gesto, como desdenhando essas misérias.

- E hás de ir lá jantar um dia. Não te posso dar um banquete, mas hás de ter uma sopa e um assado... O meu Matheus, um preto, (um amigo!) que me serve há muito ano, quando há que cozinhar, sabe cozinhar! Fez muito jantar a teu pai, ao meu pobre Pedro... Que aquilo foi casa de alegria, meu rapaz.





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