Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 157 / 630

Dei lá cama e mesa, e dinheiro para a algibeira, a muita dessa canalha que hoje por aí trota em coupé da companhia e de correio atrás... E agora, quando me avistam, voltam para o lado o focinho...

- Isso são imaginações, disse Carlos com amizade.

- Não são, Carlos, respondeu o poeta, muito grave, muito amargo. Não são. Tu não sabes a minha vida. Tenho sofrido muito repelão, rapaz. E não o merecia! Palavra, que o não merecia...

Agarrou o braço de Carlos, e com a voz abalada:

- Olha que esses homens que por aí figuram embebedavam-se comigo, emprestei-lhes muito pinto, dei-lhes muita ceia... E agora são ministros, são embaixadores, são personagens, são o diabo. Pois ofereceram-te eles um bocado do bolo agora que o têm na mão? Não. Nem a mim. Isto é duro, Carlos, isto é muito duro, meu Carlos. E que diabo, eu não queria que me fizessem conde, nem que me dessem uma embaixada... Mas aí alguma coisa numa secretaria... Nem um chavelho! Enfim, ainda há para o bocado do pão, e para a meia onça do tabaco... Mas esta ingratidão tem-me feito cabelos brancos... Pois não te quero maçar mais, e que Deus te faça feliz como tu mereces, meu Carlos!

- Tu não queres subir um bocado, Alencar?

Tanta franqueza enterneceu o poeta.

- Obrigado, rapaz, disse ele, abraçando Carlos. E agradeço-te isso, porque sei que vem do coração... Todos vocês têm coração... Já teu pai o tinha, e largo, e grande como o de um leão! E agora crê uma cousa: é que tens aqui um amigo. Isto não é palavreado, isto vem de dentro... Pois adeus, meu rapaz. Queres tu um charuto?

Carlos aceitou logo, como um presente do céu.

- Então aí tens um charuto, filho! exclamou Alencar com entusiasmo.

E aquele charuto dado a um homem tão rico, ao dono do Ramalhete, fazia-o por um momento voltar aos tempos em que nesse Marrare ele estendia em redor a charuteira cheia, com o seu grande ar de Manfredo triste. Interessou-se então pelo charuto. Acendeu ele mesmo um fosforo. Verificou se ficava bem aceso. E que tal, charuto razoável? Carlos achava um excelente charuto!





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