Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 159 / 630

Teve de o arrastar à casa das Seixas, despi-lo, aturar-lhe os beijos e a ternura borracha, até que o deixou abraçado ao travesseiro, babando-se, balbuciando - «que queria ser bastardo, que queria que a mamã fosse uma marafona!...»

E ele mal pudera dormir essa noite, com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe haviam contado, fugindo nos braços de um desterrado - um polaco talvez! Ao outro dia, cedo, entrava pelo quarto do Ega, a pedir-lhe, pela sua grande amizade, a verdade toda...

Pobre Ega! Estava doente: fez-se branco como o lenço que tinha amarrado na cabeça com panos de água sedativa: e não achava uma palavra, coitado! Carlos, sentado na cama, como nas noites de cavaco, tranquilizou-o. Não vinha ali ofendido, vinha ali curioso!

Tinham-lhe ocultado um episódio extraordinário da sua gente, que diabo, queria sabe-lo! Havia romance? Para ali o romance!

Ega, então, lá ganhou ânimo, lá balbuciou a sua história - a que ouvira ao tio Ega - a paixão de Maria por um príncipe, a fuga, o longo silêncio de anos que se fizera sobre ela...

Justamente as férias chegavam. Apenas em Sta. Olávia, Carlos contou ao avô a bebedeira do Ega, os seus discursos doidos, aquela revelação vinda entre arrotos. Pobre avô! Um momento nem pôde falar - e a voz por fim veio-lhe tão débil e dolente como se dentro do peito lhe estivesse morrendo o coração. Mas narrou-lhe, detalhe a detalhe, o feio romance todo até àquela tarde em que Pedro lhe aparecera, lívido, coberto de lama, a cair-lhe nos braços, chorando a sua dor com a fraqueza de uma criança. - E o desfecho desse amor culpado, acrescentara o avô, fora a morte da mãe em Viena de Áustria, e a morte da pequenita, da neta que ele nunca vira, e que a Monforte levara... E eis aí tudo. E assim, aquela vergonha domestica estava agora enterrada, ali, no jazigo de Sta. Olávia, e em duas sepulturas distantes, em país estrangeiro...

Carlos recordava-se bem que nessa tarde, depois da melancólica conversa com o avô, devia ele experimentar uma égua inglesa: e ao jantar não se falou senão da égua que se chamava Sultana. E a verdade era que daí a dias tinha esquecido a mamã.





Os capítulos deste livro