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Capítulo 6: Capítulo 6

Página 160
Nem lhe era possível sentir por esta tragédia senão um interesse vago e como literário. Isso passara-se havia vinte e tantos anos, numa sociedade quase desaparecida. Era como o episódio histórico de uma velha crónica de família, um antepassado morto em Alcácer-Quibir, ou uma das suas avós dormindo num leito real. Aquilo não lhe dera uma lágrima, não lhe pusera um rubor na face. Decerto, preferiria poder orgulhar-se de sua mãe, como de uma rara e nobre flor de honra: mas não podia ficar toda a vida a amargurar-se com os seus erros. E porque? A sua honra dele não dependia dos impulsos falsos ou torpes que tivera o coração dela. Pecara, morrera, acabou-se. Restava, sim, aquela ideia do pai, findando numa poça de sangue, no desespero dessa traição. Mas não conhecera seu pai: tudo o que possuía dele e da sua memória, para amar, era uma fria tela mal pintada, pendurada no quarto de vestir, representando um moço moreno, de grandes olhos, com luvas de camurça amarelas e um chicote na mão... De sua mãe não ficara nem um daguerreótipo, nem sequer um contorno a lápis. O avô tinha-lhe dito que era loura. Não sabia mais nada. Não os conhecera; não lhes dormira nos braços; nunca recebera o calor da sua ternura. Pai, mãe, eram para ele como símbolos de um culto convencional. O papá, a mamã, os seres amados, estavam ali todos - no avô.

Baptista trouxera o chá, o charuto do Alencar acabara; - e ele continuava na chaise-longue, como amolecido nestas recordações, e cedendo já, num meio adormecimento, à fadiga do longo jantar... E então, pouco a pouco, diante das suas pálpebras cerradas, uma visão surgiu, tomou cor, encheu todo o aposento. Sobre o rio, a tarde morria numa paz elísia. O peristilo do Hotel Central alargava-se, claro ainda. Um preto grisalho vinha, com uma cadelinha no colo. Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma Deusa, num casaco de veludo branco de Génova. O Craft dizia ao seu lado très-chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas.

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pág. 160 (Capítulo 6)

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Capa do livro Os Maias
Páginas: 630
Página atual: 160

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 26
Capítulo 3 45
Capítulo 4 75
Capítulo 5 98
Capítulo 6 126
Capítulo 7 162
Capítulo 8 189
Capítulo 9 218
Capítulo 10 260
Capítulo 11 301
Capítulo 12 332
Capítulo 13 365
Capítulo 14 389
Capítulo 15 439
Capítulo 16 511
Capítulo 17 550
Capítulo 18 605