- Como tu podes consentir aqui, usando as tuas cadeiras, respirando o teu ar, aquele ser repulsivo!...
Mas era até sujo mencionar o Eusébiozinho!... quis saber dos trabalhos de Carlos, do grande livro. Falou também do seu Átomo: - e, por fim, numa voz diferente, aplicando o monóculo a Carlos:
- Diz-me outra coisa. Porque não tens tu voltado aos Gouvarinhos?
Carlos tinha só esta razão: não se divertia lá.
Ega encolheu os ombros. Parecia-lhe aquilo uma puerilidade...
- Tu não percebeste nada, exclamou ele. Aquela mulher tem uma paixão por ti... Basta que se pronuncie o teu nome, sobe-lhe todo o sangue à cara.
E como Carlos ria, incrédulo, Ega, muito grave, deu a sua palavra de honra. Ainda na véspera, estava-se falando de Carlos, e ele espreitara-a. Sem ser um Balzac, nem uma broca de observação, tinha a visão correcta: pois bem, lá lhe vira na face, nos olhos, toda a expressão de um sentimento sincero...
- Não estou a fazer romance, menino... Gosta de ti, palavra! Tem-la quando quiseres.
Carlos achava deliciosa aquela naturalidade mefistofélica com que Ega o induzia a quebrar uma infinidade de leis religiosas, morais, sociais, domesticas...
- Ah bem, exclamou Ega, se tu me vens com essa blague da cartilha e do código, então não falemos mais nisso! Se apanhaste a sarna da virtude, com comichões por qualquer coisa, então era uma vez um homem, vai para a Trapa comentar o Eclesiastes.
- Não - disse Carlos, sentando-se num banco sob as árvores, ainda com uns restos da preguiça do terraço - o meu motivo não é tão nobre. Não vou lá, porque acho o Gouvarinho um maçador.
Ega teve um sorriso mudo.
- Se a gente fosse a fugir das mulheres que tem maridos maçadores...
Sentou-se ao lado de Carlos, começou a riscar em silêncio o chão areado; e sem erguer os olhos, deixando cair as palavras, uma a uma, com melancolia:
- Antes de ontem, toda a noite, a pé firme, das dez à uma, estive a ouvir a história da demanda do Banco Nacional!