Os Maias - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 171 / 630

Mas tinha já uma vingança. Ia remeter-lhe a soma toda em cobre, num saco de carvão, com um rato morto dentro, e um bilhete, começando assim: - asquerosa lombriga e imunda osga, aí te atiro ao focinho, etc....

- Como tu podes consentir aqui, usando as tuas cadeiras, respirando o teu ar, aquele ser repulsivo!...

Mas era até sujo mencionar o Eusébiozinho!... quis saber dos trabalhos de Carlos, do grande livro. Falou também do seu Átomo: - e, por fim, numa voz diferente, aplicando o monóculo a Carlos:

- Diz-me outra coisa. Porque não tens tu voltado aos Gouvarinhos?

Carlos tinha só esta razão: não se divertia lá.

Ega encolheu os ombros. Parecia-lhe aquilo uma puerilidade...

- Tu não percebeste nada, exclamou ele. Aquela mulher tem uma paixão por ti... Basta que se pronuncie o teu nome, sobe-lhe todo o sangue à cara.

E como Carlos ria, incrédulo, Ega, muito grave, deu a sua palavra de honra. Ainda na véspera, estava-se falando de Carlos, e ele espreitara-a. Sem ser um Balzac, nem uma broca de observação, tinha a visão correcta: pois bem, lá lhe vira na face, nos olhos, toda a expressão de um sentimento sincero...

- Não estou a fazer romance, menino... Gosta de ti, palavra! Tem-la quando quiseres.

Carlos achava deliciosa aquela naturalidade mefistofélica com que Ega o induzia a quebrar uma infinidade de leis religiosas, morais, sociais, domesticas...

- Ah bem, exclamou Ega, se tu me vens com essa blague da cartilha e do código, então não falemos mais nisso! Se apanhaste a sarna da virtude, com comichões por qualquer coisa, então era uma vez um homem, vai para a Trapa comentar o Eclesiastes.

- Não - disse Carlos, sentando-se num banco sob as árvores, ainda com uns restos da preguiça do terraço - o meu motivo não é tão nobre. Não vou lá, porque acho o Gouvarinho um maçador.

Ega teve um sorriso mudo.

- Se a gente fosse a fugir das mulheres que tem maridos maçadores...

Sentou-se ao lado de Carlos, começou a riscar em silêncio o chão areado; e sem erguer os olhos, deixando cair as palavras, uma a uma, com melancolia:

- Antes de ontem, toda a noite, a pé firme, das dez à uma, estive a ouvir a história da demanda do Banco Nacional!





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