E, toda a sorte de ideias de amor, de devoção absoluta, de sacrifício, invadiam-no deliciosamente - enquanto os seus olhos se esqueciam, se perdiam, enlevados na religiosa solenidade daquele belo fim da tarde. Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; e o arvoredo cobria-se todo de uma tinta loura, delicada e dormente. Todos os rumores tomavam uma suavidade de suspiro perdido. Nenhum contorno se movia como na imobilidade de um êxtase. E as casas, voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os cimos redondos das árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar de repente parado num recolhimento melancólico e grave, olhando a partida do sol, que mergulhava lentamente no mar...
- Oh Carlos, tu estás aí?
Era em baixo, na estrada, a voz grossa do Alencar gritando por ele. Carlos apareceu à varanda do terraço.
- Que diabo estás tu aí a fazer, rapaz? exclamou Alencar, agitando alegremente o seu panamá. Nós lá estivemos à espera, no covil
real... Fomos ao Nunes... Íamos agora procurar-te à cadeia!
E o poeta riu largamente da sua pilheria - enquanto Cruges, ao lado, de mãos atrás das costas, e a face erguida para o terraço, bocejava desconsoladamente.
- Vim refrescar, como tu dizes, tomar um pouco de cognac, que estava com sede.
Cognac? Eis aí o mimo por que o pobre Alencar estivera ansiando toda a tarde, desde Sitiais. E galgou logo as escadas do terraço - depois de ter gritado para dentro, para a sua velha Lawrence, que lhe mandasse acima meia da fina.
- Viste o Paço, hein, Cruges? perguntou Carlos ao maestro, quando ele apareceu, arrastando os passos. Então, parece-me que o que nos resta a fazer é jantar, e abalar...