O coupé parara à porta do Hotel Central. Dâmaso saltou, correu ao guarda portão.
Mandou o telegrama, António?
- Já lá vai...
- Tu compreendes, dizia ele a Carlos, galgando as escadas, mandei-lhes logo um telegrama para o hotel em Queluz. Não estou para ter mais responsabilidades!...
No corredor, defronte do escritório, um criado passava, com um guardanapo debaixo do braço:
- Como está a menina? gritou-lhe o Dâmaso.
O criado encolheu os ombros, sem compreender.
Mas Dâmaso já trepava o outro lanço de escada, soprando, gritando:
- Por aqui Carlos, eu conheço isto a palmos! Número 26!
Abriu com estrondo a porta do número 26. Uma criada, que estava à janela, voltou-se.
Ah bonjour, Melanie! exclamava Dâmaso, no seu extraordinário francês. A criança estava melhor? l'enfant etait meileur? Ali lhe trazia o doutor, monsieur le docteur Maia.
Melanie, uma rapariga magra e sardenta, disse que Mademoisele estava mais sossegada, e ela ia avisar miss Sarah, a governanta. Passou o espanador pelo mármore de uma console, ajeitou os livros sobre a mesa, e saiu, dardejando a Carlos um olhar vivo como uma faísca.
A sala era espaçosa, com uma mobília de reps azul, e um grande espelho sobre a console dourada, entre as duas janelas: a mesa estava coberta de jornais, de caixas de charutos, e de romances de Capendu; sobre uma cadeira, ao lado, ficara enrolado um bordado.
- Esta Melanie, esta desleixada, murmurava o Dâmaso, fechando a janela com um esforço sobre o fecho perro. Deixar assim tudo aberto! Jesus, que gente!
- Este cavalheiro é bonapartista, disse Carlos, vendo sobre a mesa os números do Pays.
- Isso, temos questões terríveis! exclamou o Dâmaso. E eu enterro-o sempre... É bom rapaz, mas tem pouco fundo.
Melanie voltou pedindo a Monsieur le Docteur para entrar um instante no gabinete de toilete. E aí, depois de apanhar uma toalha caída, de dardejar a Carlos outro olharzinho petulante, disse que Miss Sarah vinha imediatamente, e retirou-se na ponta dos sapatos.