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- Ou pior, interrompeu Craft. Mandar-te a senhora, com este bilhetinho: «Guarde-a».
- Ou isso! continuava Carlos. Não, senhor: limita-se a proibir-te a entrada em casa, um pouco asperamente, sim, mas indicando que, depois de ter feito isto, não quer nada mais violento, nem mais dramático. Teve portanto um acto de moderação. E tu queres mandá-lo desafiar por isso?...
Mas Ega revoltou-se outra vez, deu um pulo, disparatou pela sala, sem paletó agora, esguedelhado, parecendo mais fantástico naquele simples gibão escarlate, com os sapatos de veludo enlameados, as longas pernas de cegonha cobertas de malha de seda vermelha. E teimava que se não tratava disso! Não, não se tratava da mulher! A questão era outra...
Carlos então zangou-se.
- Para que diabo te expulsou ele de casa então? Não disparates, homem! Nós estamos-te a dizer o que faz um homem de senso. E é triste, que te custe tanto a perceber o que manda o senso. Traíste um amigo teu... Nada de equívocos! tu declaravas bem alto a tua amizade pelo Cohen. Traíste-o, tens de aceitar a lei: se ele te quiser matar tens de morrer. Se ele não quiser fazer nada, tens de ficar de braços cruzados. Se ele te quiser chamar aí por essas ruas um infame, tens de baixar a cabeça, e reconhecer-te infame...
- Então tenho de engolir a afronta?
Os dois amigos explicaram-lhe que aquele fato de Satanás lhe perturbava a lucidez do critério mundano - e que chegava a ser torpe falar ele, Ega, de afronta.
Ega, outra vez acabrunhado sobre o sofá, conservou um momento a cabeça enterrada nas mãos.
- Eu já nem sei, disse ele por fim. Vocês devem ter razão... Eu estou-me a sentir idiota... Então, vamos, que hei de eu fazer?
- Vocês têm a tipoia à espera? perguntou tranquilamente Craft.
Carlos mandara desaparelhar, recolher o gado esfalfado.
- Excelente! Então, meu caro Ega, tens outra coisa a fazer, antes de morrer amanhã talvez, é cear esta noite. Eu ia cear, e por motivos longos de explicar, há nesta casa um peru frio. E há-de haver uma garrafa de Borgonha...