Os Maias - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 239 / 630

Daí a pouco estavam à mesa - naquela bela sala de jantar do Craft, que encantava sempre Carlos, com as suas tapeçarias ovais representando bocados solitários de arvoredo, as severas faianças da Pérsia, e a sua original chaminé flanqueada por duas figuras negras de Núbios com olhos rutilantes de cristal. Carlos, que se declarara esfomeado, trinchava já o perú, enquanto Craft, desarrolhava, com veneração, duas garrafas do seu velho Chambertin, para reconfortar Mefistófeles.

Mas Mefistófeles, sombrio e com os olhos avermelhados, repeliu o prato, desviou o copo. Depois, sempre condescendeu em provar o Chambertin.

Pois eu, dizia Craft empunhando o talher, quando vocês chegaram, estava a ler um artigo interessante sobre a decadência do protestantismo em Inglaterra...

- Que é aquilo, além, naquela lata? perguntou Ega, com uma voz moribunda.

Um pâté de foie-gras. Mefistófeles escolheu com tédio uma trufa.

- Bem bom, este teu Chambertin, suspirou ele.

- Anda, come e bebe com franqueza, gritou-lhe Craft. Não te romantizes. Tu o que tens é fome. Todas as tuas ideias esta noite se ressentem da debilidade!

Então Ega confessou que devia estar fraco. Com aquela excitação do seu traje de Satanás nem jantara, contando cear bem em casa do outro... Sim, com efeito, tinha apetite! Excelente foie-gras...

E daí a pouco devorava: foram talhadas de peru, uma porção imensa de língua d'Oxford, duas vezes presunto de York, todas aquelas boas coisas inglesas que havia sempre em casa do Craft. E ele só bebeu quase toda uma garrafa de Chambertin.

O escudeiro fora preparar o café: e, no entanto, ia-se discutindo, em todas as hipóteses, a atitude provável do Cohen com a mulher. Que faria ele? Talvez lhe perdoasse. Ega afirmava que não: era vaidoso, e de rancores longos! Num convento também não a fechava, sendo judia...

- Talvez a mate, disse Craft, com toda a seriedade. Ega, já com os olhos brilhantes do Bourgogne, declarou tragicamente que ele então entrava num mosteiro. Os dois gracejaram, sem piedade. Em que mosteiro queria ele entrar?





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