Tinha-lhe visto matar um gato, só por capricho de derramar sangue...
- Tenho um pressentimento de desgraça, balbuciou ele aterrado.
E logo nesse momento a campainha retiniu. Ega acordou precipitadamente Carlos, empurrou os dois amigos para o quarto de cama. Craft ainda lhe disse que, àquela hora, não podiam ser os amigos do Cohen. Mas ele queria estar só na sala: e lá ficou, mais pálido, rígido, muito abotoado na sobrecasaca, com os olhos cravados na porta.
- Que maçada! dizia Carlos dentro, tenteando a escuridão do quarto.
Craft acendeu no toucador um resto de vela. Uma luz triste espalhou-se, tudo apareceu num desarranjo: no meio do chão estava caída uma camisa de dormir; a um canto ficara a bacia de banho com água de sabão; e, no centro, o enorme leito, envolto nas suas cortinas de seda vermelha, conservava uma majestade de tabernáculo.
Um momento estiveram calados. Craft metódico, e como quem se instruí, examinava o toucador, onde havia um maço de ganchos de cabelo, uma liga com o fecho quebrado, um ramo de violetas murchas. Depois foi olhar o mármore da cómoda; aí ficara um prato com ossos de frango, e ao lado uma meia folha de papel escrita a lápis, toda emendada, decerto trabalho literário do Ega. Ele achava tudo isto muito curioso.
Da sala, no entanto, vinha um ciciar de vozes subtil e íntimo. Carlos escutando, julgou sentir uma fala abafada de mulher... Impaciente, foi à cozinha. A criada estava sentada à mesa, com a mão metida pelos cabelos, sem fazer nada, a olhar para a luz: o pajem, espaparrado numa cadeira, chupava o seu cigarro.
- Quem foi que entrou? perguntou Carlos.
- Foi a criada do Sr. Cohen, disse o garoto, escondendo o cigarro atrás das costas.
Carlos voltou ao quarto, anunciando:
- É a confidente. As coisas terminam amavelmente.
- E como queria você que terminassem? disse Craft. O Cohen tem o seu Banco, os seus negócios, as suas letras a vencer, o seu crédito, a sua respeitabilidade, todo um arranjo de coisas a que não convém um escândalo...