Os Maias - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 250 / 630

Ega, com efeito, sentia-se «enterrado». E nessa noite declarou a Carlos que decidira recolher-se à quinta da mãe, passar lá um ano a acabar as Memórias de um Átomo, e reaparecer em Lisboa com o seu livro publicado, triunfando sobre a cidade, esmagando os medíocres. Carlos não perturbou esta radiante ilusão.

Mas quando Ega, antes de partir, foi a recapitular os seus negócios de casa, de dinheiro, encontrou-se diante de coisas abomináveis. Devia a todo o mundo, desde o estofador até ao padeiro; tinha três letras a vencer; aquelas dívidas, se as deixasse, soltas e ladrando, juntar-se-iam, na tagarelice publica, ao caso dos Cohens - e ele seria, além do amante ameaçado de pontapés, o pelintra perseguido pelos credores! Que havia de fazer, senão valer-se de Carlos? Carlos, para regular tudo, emprestou-lhe dois contos de réis.

Depois, tendo despedido os criados da Vila Balzac, surgiram-lhe outras complicações. A mãe do pajem veio daí a dias ao Ramalhete, muito insolente, gritando que o filho lhe desaparecera! E era exacto: o famoso pajem, pervertido pela cozinheira, sumira-se com ela para as vielas da Mouraria, a começar aí uma divertida carreira de faia.

Ega recusou-se a atender às reclamações da matrona. Que diabo tinha ele com essas torpezas?

Então o amante da criatura interveio, ameaçadoramente. Era um polícia, um esteio da ordem: e deu a entender que lhe seria fácil provar como na Vila Balzac se passavam «coisas contra a natureza», e que o pajem não era só para servir à mesa... Nauseado até á morte, Ega pacteou com a intrujice, largou cinco libras ao polícia. Quando nessa noite, uma noite triste de água, Carlos e Craft o acompanharam a Santa Apolónia, ele disse-lhes na carruagem estas palavras, triste resumo de um amor romântico:

- Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por dentro!

Afonso da Maia ao saber este desastre do Ega, tinha dito a Carlos, com tristeza:

- Má estreia, filho, péssima estreia!

E nessa noite, depois de voltar de Santa Apolónia, Carlos pensava nestas palavras, dizia também consigo: - Péssima estreia!...





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