O pobre marquês encolheu os ombros. Apenas sentia o menor incómodo, uma dor, um arrepio, considerava-se logo, como ele dizia, liquidado. O mundo começava a findar para ele: tomavam-no terrores católicos, uma preocupação angustiosa da Eternidade.
Nesses dias fechava-se no quarto com o padre capelão - com quem às vezes, todavia, terminava por jogar as damas.
- Em todo o caso, disse ele, tirando cautelosamente o chapéu ao passar pela porta aberta da igreja dos Mártires, deixe-me você ir primeiro ao Grémio... Quero escrever à Manoeleta que não conte comigo esta noite...
Depois, distraída e melancolicamente, perguntou notícias desse devasso do Ega. Esse devasso do Ega lá estava em Celorico, na quinta materna, ouvindo arrotar o padre Serafim, e refugiando-se, segundo dizia, na grande arte: andava a compor uma comédia em cinco actos, que se devia chamar o Lodaçal - escrita para se vingar de Lisboa.
- O pior, murmurou o marquês, depois de um silêncio, e abafando-se mais no cachenés, é se eu estou assim no domingo para as corridas!
- O quê! exclamou Carlos, então as corridas são já no domingo?
O marquês foi-lhe explicando, em quanto desciam o Chiado, que as corridas se tinham apressado a pedido do Cliford, o grande sportman de Córdova, que devia trazer dois cavalos ingleses... Era um bocado humilhante depender do Cliford. Mas enfim o Cliford era um gentleman e com os seus cavalos de raça, os seus jockeys ingleses, constituía a única feição séria do Hipódromo de Belém. Sem o Cliford aquilo era uma brincadeira de pilecas e de abas...
- Você não conhece o Cliford?... Belo rapaz! Um pouco poseur, mas ouro de lei.
Tinham entrado no pátio do Grémio, o marquês estendeu o braço a Carlos.
- Veja esse pulso!
- O pulso está excelente... Vá você dar lá esse golpe à Manoela, que eu fico aqui à espera.
No domingo pois, daí a cinco dias, eram as corridas... E ela estaria lá, ele ia conhecê-la, enfim!