E, quando Carlos enfim abalou, o recinto, esquecidas as corridas, tomava um tom de soirée, no ar claro e fresco da colina, com o murmúrio de vozes, um mover de leques, e ao fundo a música tocando uma valsa de Strauss.
Carlos, depois de procurar muito Craft, encontrou-o no bufete com o Darque, com outros, bebendo mais champagne.
- Eu tenho de ir ainda a Lisboa, disse-lhe ele, e vou no fáeton. Abandono torpemente. Você vá para o Ramalhete como poder...
- Eu o levo! gritou logo o Vargas, que tinha já a gravata toda desmanchada. Levo-o no dog-cart. Eu me encarrego dele... O Craft fica por minha conta... É necessário recibo? à saúde do Craft, inglês cá dos meus... Hurrah!
- Hurra! Hip, hip, hurra!
Daí a pouco, a trote largo no fáeton, Carlos descia o Chiado, dava a volta para a rua de S. Francisco. Ia numa perturbação deliciosa e singular, com aquela certeza de que ela estava só na casa do Cruges: o último olhar que ela lhe dera parecia ir adiante dele, chamando-o: e um despertar tumultuoso de esperanças sem nome atirava-lhe a alma para o azul.
Quando parou diante do portão - alguém, por dentro das janelas dela, ia correndo lentamente os estores. Na rua silenciosa caía já uma sombra de crepúsculo. Atirou as rédeas ao cocheiro, atravessou o pátio. Nunca viera visitar o Cruges, nunca subira esta escada; e pareceu-lhe horrorosa, com os seus frios degrau de pedra, sem tapete, as paredes nuas e enxovalhadas alvejando tristemente no começo de escuridão. No patamar do primeiro andar parou. Era ali que ela vivia. E ficou olhando, com uma devoção ingénua, para as três portas pintadas de azul: a do centro estava inutilizada por um banco comprido de palhinha, e na do lado direito pendia, com uma enorme bola, o cordão da campainha. De dentro não vinha um rumor: - e este pesado silêncio, juntando-se ao movimento de estores que ele vira fechar-se, parecia cercar as pessoas que ali viviam de solidão e de impenetrabilidade. Uma desconsolação passou-lhe na alma. Se ela agora, só, sem o marido, começasse uma vida reclusa e solitária?