E como soubeste tu que eu partia?
Carlos não o desiludiu, balbuciando que lho dissera o Taveira, que encontrara o Taveira...
- Pois eu estava mais longe de uma destas! exclamou o Dâmaso. Esta manhã, muito regalado na cama, quando me vem o telegrama... fiquei furioso! Isto é, imagina tu como eu fiquei, um desgosto assim!...
Foi então que Carlos reparou que ele estava carregado de luto, com fumo no chapéu, luvas pretas, polainas pretas, barca preta no lenço... Murmurou, embaraçado:
- O Taveira disse-me que ias, mas não me disse mais nada... Morreu-te alguém?
- Meu tio Guimarães.
- O comunista? o de Paris?
- Não, o irmão dele, o mais velho, o de Penafiel... Espera aí que eu volto já, vou ali ao café encher o frasco de cognac. Com a aflição esquecia-me o cognac...
Ainda estavam chegando passageiros, esbaforidos, de guarda-pó, com chapeleiras na mão. Os guardas rolavam pachorrentamente as bagagens. De uma portinhola, onde se exibia um cavalheiro barrigudo, com um boné bordado a retrós, pendia todo um cacho de amigos políticos, respeitosamente e em silêncio. A um canto uma senhora soluçava por baixo do véu.
Carlos, vendo um wagon com a papeleta de reservado imaginou lá a condessa. Um guarda precipitou-se, furioso, como se visse a profanação de um santuário. Que queria ele, que queria ele dali? Não sabia que era o reservado do Sr. Carneiro?
- Não sabia.
- Perguntasse, devia saber! ficou o outro a resmungar, ainda trémulo.
Carlos correu ainda outros wagons, onde a gente se apinhava, atabafadamente, na amontoação dos embrulhos; num, dois sujeitos, a propósito de lugares, tratavam-se de malcriados; adiante, uma criança esperneava no colo da ama, aos gritos.
- Ó menino, quem diabo andas tu a procurar? exclamou Dâmaso alegremente, surgindo por traz dele, e passando-lhe o braço pela cinta.
- Ninguém... Imaginei que tinha visto o marquês.
Imediatamente Dâmaso queixou-se daquela lúgubre maçada de ter de ir a Penafiel!
- E então agora que eu precisava tanto estar em Lisboa!