Que tenho andado com uma sorte para mulheres, menino!... Uma sorte danada!
Uma sineta badalou. Dâmaso deu logo um abraço terno a Carlos, saltou para o seu wagon, enterrou na cabeça um barretinho de seda - e depois debruçado da portinhola continuou ainda as confidencias. O que mais o contrariava era deixar aquele arranjinho da rua de S. Francisco. Que ferro! agora que aquilo ia tão bem, o gajo no Brasil, e ela ali, à mão, a dois passos do Grémio!...
Carlos mal o escutava, distraído, olhando o grande relógio transparente. De repente Dâmaso, à portinhola, deu um salto de surpresa:
- Olha os Gouvarinhos!
Carlos deu um salto também. O conde, de coco de viagem, de paletó alvadio, sem se apressar, como competia a um director da Companhia, vinha conversando com um empregado superior da estação, agaloado de ouro, que se encarregara da chapeleira de papelão de s. Ex.ª E a condessa, com um rico guarda-pó de foulard cor de castanho, um véu cinzento que lhe cobria a face e o chapéu, seguia atrás, com a criada escocesa, trazendo na mão um ramo de rosas.
Carlos correu para eles, foi todo um assombro.
- Por aqui, Maia?
- De viagem, conde?
É verdade. Decidira acompanhar a condessa ao Porto, aos anos do papá... Resolução da última hora, quase iam perdendo o comboio.
- Então temo-lo por companheiro, Maia? Teremos esse grande prazer, Maia?
Carlos contou rapidamente que viera apenas apertar a mão ao pobre Dâmaso, de jornada para Penafiel, por causa da morte do tio.
Debruçado da portinhola, com as mãos de fora calçadas de negro, o pobre Dâmaso estava saudando a senhora condessa, gravemente, funebremente. E o bom Gouvarinho não quis deixar de lhe ir dar logo o seu shake-hands e o seu pêsame.
Sozinho nesse curto instante com a condessa, Carlos murmurou apenas:
- Que ferro!
- Este maldito homem! exclamou ela, entre dentes, com um olhar que fuzilou através do véu. Tudo tão bem arranjado, e à última hora teima em vir!...