Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 323 / 630

Ele tinha-lhe feito assim largamente todas as confissões; - e ainda não sabia nada do seu passado, nem mesmo a terra em que nascera, nem sequer a rua que habitava em Paris. Não lhe ouvira murmurar jamais o nome do marido, nem falar de um amigo ou de uma alegria da sua casa. Parecia não ter em França, onde vivia, nem interesses, nem lar; - e era realmente como a deusa que ele idealizara, sem contactos anteriores com a terra, descida da sua nuvem de ouro para vir ter ali, naquele andar alugado da rua de S. Francisco, o seu primeiro estremecimento humano.

Logo na primeira semana das visitas de Carlos tinham falado de afeições. Ela acreditava candidamente que pudesse haver, entre uma mulher e um homem, uma amizade pura, imaterial, feita da concordância amável de dois espíritos delicados. Carlos jurou que também tinha fé nessas belas uniões, todas de estima, rodas de razão contanto que se lhes misturasse, ao de leve que fosse, uma ponta de ternura... Isso perfumava-as de um grande encanto - e não lhes diminuía a sinceridade. E, sob estas palavras um pouco difusas, murmuradas por entre as malhas do bordado e com lentos sorrisos, ficara subtilmente estabelecido que entre eles só deveria haver um sentimento assim, casto, legitimo, cheio de suavidade e sem tormentos.

Que importava a Carlos? Contanto que pudesse passar aquela hora na poltrona de cretone, contemplando-a a bordar, e conversando em coisas interessantes, ou tornadas interessantes pela graça da sua pessoa; contanto que visse o seu rosto, ligeiramente corado, baixar-se, com a lenta atracção de uma caricia, sobre as flores que lhe trazia; contanto que lhe afagasse a alma a certeza de que o pensamento dela o ficava seguindo simpaticamente através do seu dia, mal ele deixava aquela adorada saia de reps vermelho – o seu coração estava satisfeito, esplendidamente.

Não pensava mesmo que aquela ideal amizade, de intenção casta, era o caminho mais seguro para a trazer, brandamente enganada, aos seus braços ardentes de homem.





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