Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 324 / 630

No deslumbramento que o tomara ao ver-se de repente admitido a uma intimidade que julgara impenetrável, - os seus desejos desapareciam: longe dela, às vezes, ainda ousavam ir temerariamente até à esperança de um beijo, ou de uma fugitiva caricia com a ponta dos dedos; mas apenas transpunha a sua porta, e recebia o calmo raio do seu olhar negro, caía em devoção, e julgaria um ultraje bestial roçar sequer as pregas do seu vestido.

Foi aquele decerto o período mais delicado da sua vida. Sentia em si mil coisas finas, novas, de uma tocante frescura. Nunca imaginara que houvesse tanta felicidade em olhar para as estrelas quando o céu está limpo; ou em descer de manhã ao jardim para escolher uma rosa mais aberta. Tinha na alma um constante sorriso - que os seus lábios repetiam. O marquês achava-lhe o ar baboso e abençoador...

Às vezes, passeando só no seu quarto, perguntara a si mesmo onde o levaria aquele grande amor. Não sabia. Tinha diante de si os três meses em que ela estaria em Lisboa, e em que ninguém mais senão ele ocuparia a velha cadeira ao lado do seu bordado. O marido andava longe, separado por léguas de mar incerto. Depois ele era rico, e o mundo era largo...

Conservara sempre as suas grandes ideias de trabalho, querendo que no seu dia só houvesse horas nobres, - e que aquelas que não pertenciam às puras felicidades do amor, pertencessem às alegrias fortes do estudo. Ia ao laboratório, ajuntava algumas linhas ao seu manuscrito. Mas antes da visita à rua de S. Francisco não podia disciplinar o espírito, inquieto, num tumulto de esperanças; e depois de voltar de lá, passava o dia a recapitular o que ela dissera, o que ele respondera, os seus gestos, a graça decerto sorriso... Fumava então cigarretes, lia os poetas.

Todas as noites no escritório de Afonso se formava a partida de whist. O marquês batia-se ao dominó com o Taveira, enfronhados ambos naquele vício, com um rancor crescente que os levava a injúrias. Depois das corridas, o secretário de Steinbroken começara a vir ao Ramalhete; mas era um inútil, nem cantava sequer como o seu chefe as bailadas da Finlândia; cabido no fundo de uma poltrona, de casaca, de vidro no olho, bamboleando a perna, cofiava silenciosamente os seus longos bigodes tristes.





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