Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 326 / 630

Enfim desembaraçou as mãos, veio cumprimentar Maria Eduarda quase de leve, - e voltando-se logo para Carlos, de braços abertos, todo o seu espanto trasbordou ruidosamente:

- Então tu aqui, homem? Isto é que é uma surpresa! Ora quem me diria!... Eu estava mais longe...

Maria Eduarda, incomodada com aquele alarido, indicou-lhe vivamente uma cadeira, interrompeu um instante o bordado, quis saber como ele tinha chegado.

- Perfeitamente, minha senhora... Um bocado cansado, como é natural... Venho direitinho de Penafiel... Como V. Ex.ª vê – e mostrou o seu luto pesado - acabo de passar por um grande desgosto.

Maria Eduarda murmurou uma palavra de sentimento, vaga e fria. Dâmaso pousara os olhos no tapete. Vinha da província cheio de cor, cheio de sangue; e como cortara a barba (que havia meses deixara crescer para imitar Carlos) parecia agora mais bochechudo e mais nédio. As cochas roliças estalavam-lhe de gordura dentro da calça de casimira preta.

- E então, perguntou Maria Eduarda, temo-lo por cá algum tempo?

Ele deu um puxãozinho à cadeira, mais para junto dela, e outra vez risonho:

- Agora, minha senhora, ninguém me arranca de Lisboa! Podem-me morrer... Isto é, credo! teria grande ferro se me morresse alguém. O que quero dizer é que há de custar a arrancar-me daqui!

Carlos continuava muito sossegadamente a acariciar os pêlos da Niniche. E houve então um pequeno silêncio. Maria Eduarda retomara o bordado. E Dâmaso, depois de sorrir, de tossir, de dar um jeito ao bigode, estendeu a mão para acariciar também Niniche sobre os joelhos de Carlos. Mas a cadelinha, que havia momentos o espreitava com o olho desconfiado, ergueu-se, rompeu a ladrar furiosa.

- C'est moi Niniche! dizia Dâmaso, recuando a cadeira. C'est moi, ami... Alors, Niniche...

Foi necessário que Maria Eduarda repreendesse severamente Niniche. E, aninhada de novo no colo de Carlos, ela continuou a espreitar Dâmaso, rosnando, e com rancor.

- Já me não conhece, dizia ele embaçado, é curioso...

- Conhece-o perfeitamente, acudiu Maria Eduarda muito séria. Mas não sei o que o Sr. Dâmaso lhe fez, que ela tem-lhe ódio. É sempre este escândalo.





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