A suposição era insensata, talvez - mas reteve-o no pátio, aplicando o ouvido para cima, com ideias ferozes de esperar ali o Dâmaso, proibir-lhe de tornar a subir aquela escada, e, à menor reflexão dele, esmagar-lhe o crânio nas lajes...
Mas sentiu em cima a porta abrir-se, e saiu vivamente, no receio de ser assim surpreendido à escuta. O coupé do Dâmaso estacionava na rua. Então veio-lhe uma curiosidade mordente de saber quanto tempo ele ficaria ali com Maria Eduarda. Correu ao Grémio; e apenas abrira uma vidraça - viu logo o Dâmaso sair do portão, saltar para o coupé, bater com forca a portinhola. Pareceu-lhe que trazia o ar escorraçado, e subitamente teve dó daquele grotesco...
Nessa noite, depois de jantar, Carlos só no seu quarto fumava, enterrado numa poltrona, relendo uma carta do Ega recebida nessa manhã, - quando apareceu o Dâmaso. E, sem pousar mesmo o chapéu, logo da porta, exclamou, com o mesmo espanto da manhã:
- Então diz-me cá! Como diabo te vou eu encontrar hoje com a brasileira?... Como a conheceste tu? Como foi isso?
Sem mover a cabeça do espaldar da poltrona, cruzando as mãos sobre os joelhos em cima da carta do Ega, Carlos, agora cheio de bom humor, disse, com uma doce repreensão paternal:
- Pois então tu vais expor a uma senhora as tuas opiniões lubricas sobre as lavradeiras de Penafiel!
- Não se trata disso, sei muito bem o que hei de expor! exclamou o outro, vermelho. Conta lá, anda... Que diabo! Parece-me que tenho direito a saber... Como a conheceste tu?
Carlos, imperturbável, cerrando os olhos como para se recordar, começou num tom lento e solene de recitativo:
- Por uma tépida tarde de primavera, quando o sol se afundava em nuvens d'oiro, um mensageiro esfalfado pendurava-se da campainha do Ramalhete. Via-se-lhe na mão uma carta, lacrada com selo heráldico; e a expressão do seu semblante...
Dâmaso, já zangado, atirou com o chapéu para cima da mesa.
- Parece-me que era mais decente deixar-te desses mistérios!
- Mistérios? Tu vens obtuso, Dâmaso.