Quando acabaria então o bravo John de fazer bocados incompletos de obras-primas?... - Ega queixou-se do país, da sua indiferença pela arte. Que espírito original não esmoreceria, vendo em torno de si esta espessa massa de burgueses, amodorrada e crassa, desdenhando a inteligência, incapaz de se interessar por uma ideia nobre, por uma frase bem-feita?
- Não vale a pena, Sr. Afonso da Maia. Neste país, no meio desta prodigiosa imbecilidade nacional, o homem de senso e de gosto deve limitar-se a plantar com cuidado os seus legumes. Olhe o Herculano...
- Pois então, acudiu o velho, planta os teus legumes. É um serviço à alimentação publica. Mas tu nem isso fazes!
Carlos, muito sério, apoiava o Ega.
- A única coisa a fazer em Portugal, dizia ele, é plantar legumes, enquanto não há uma revolução que faça subir à superfície alguns dos elementos originais, fortes, vivos, que isto ainda cerre lá no fundo. E se se vir então que não encerra nada, demitamo-nos logo voluntariamente da nossa posição de país para que não temos elementos, passemos a ser uma fértil e estúpida província espanhola, e plantemos mais legumes!
O velho escutava com melancolia estas palavras do neto em que sentia como uma decomposição da vontade, e que lhe pareciam ser apenas a glorificação da sua inercia. Terminou por dizer:
- Pois então façam vocês essa revolução. Mas pelo amor de Deus, façam alguma coisa!
- O Carlos já não faz pouco, exclamou Ega, rindo. Passeia a sua pessoa, a sua toilete e o seu fáeton, e por esse facto educa o gosto!
O relógio Luiz xv interrompeu-os - lembrando ao Ega que devia ainda, antes de jantar, ir buscar a sua mala ao Hotel Espanhol. Depois no corredor confessou a Carlos que, antes de ir ao Espanhol, queria correr ao Filon, ao fotógrafo, ver se podia tirar um bonito retrato.
- Um retrato?
- Uma surpresa que tem de ir daqui a três dias para Celorico, para o dia de anos de uma criaturinha que me adoçou o exílio.
- Oh Ega!
- É horroroso, mas então? É a filha do padre Correia, filha conhecida como tal; além disso casada com um proprietário rico da vizinhança, reacionário odioso...