Não era. Mas Pedro riu muito à ideia de que a Arlesiana se tivesse namorado do príncipe. Nesse caso Vénus era-lhe propícia! O napolitano também a achava picante: un très joli brin de feme, tinha ele dito.
A bela face de Maria empalideceu de cólera. Julgava tudo isso de mau gosto, grosseiro, impudente! Pedro fora realmente um doido em trazer assim para a intimidade de Arroios um estrangeiro, um fugido, um aventureiro! Demais, aquela troça em cima, entre grogs quentes, com guitarra, sem respeito por ela ainda toda nervosa, toda fraca da convalescença, indignava-a! Apenas Sua Alteza pode acomodar-se com almofadas numa sege, queria-o fora, na estalagem...
- O que aí vai! Jesus! o que aí vai!... disse Pedro.
- É assim.
E decerto foi muito severa também com a Arlesiana, por que nessa tarde Pedro encontrou a moça aos ais no corredor, limpando ao avental os olhos afogueados.
Daí a dias, porém, o napolitano, já convalescente, quis recolher ao seu hotel. Não vira Maria: mas em agradecimento da sua hospitalidade mandou-lhe um admirável ramo, e, com uma galanteria de príncipe artista da Renascença, um soneto em italiano enrolado entre as flores e tão perfumado como elas: comparava-a a uma nobre dama da Síria dando a gota de água da sua bilha ao cavaleiro árabe, ferido na estrada ardente; comparava-a à Beatriz do Dante.
Isto afigurou-se a todos de uma rara distinção, e, como disse o Alencar, um rasgo à Byron.
Depois, na soirée do baptizado de Carlos Eduardo, dada daí a uma semana, o napolitano mostrou-se, e impressionou tudo. Era um homem esplêndido, feito como um Apolo, de uma palidez de mármore rico: a sua barba curta e frisada, os seus longos cabelos castanhos, cabelos de mulher, ondeados e com reflexos de ouro, apartados à nazarena - davam-lhe realmente, como dizia a Arlesiana, uma fisionomia de belo Cristo.
Dançou apenas uma contradança com Maria, e pareceu, na verdade, um pouco taciturno e orgulhoso: mas tudo nele fascinava, a sua figura, o seu mistério, até o seu nome de Tancredo.