Os Maias - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 353 / 630

Uma sombra passou no rosto de Carlos. Nestas palavras, ditas de leve acerca do bordado, ele sentia uma desanimadora alusão ao seu amor, - esse amor que lhe fora enchendo o coração à maneira que a lã cobria aquela talagarça, e que era obra simultânea das mesmas brancas mãos. Queria ela pois conservá-lo ali, arrastado como o bordado, sempre acrescentado e sempre incompleto, guardado também no cesto da costura, para ser o desafogo da sua solidão?

Disse-lhe então, comovido:

- Não é assim. Há coisas que só existem quando se completam, e que só então dão a felicidade que se procurava nelas.

- É muito complicado isso, murmurou ela, corando. É muito subtil...

- Quer que lho diga mais claramente?

Nesse instante Domingos, erguendo o reposteiro, anunciou que estava ali o Sr. Dâmaso...

Maria Eduarda teve um movimento brusco de impaciência:

- Diga que não recebo!

Fora, no silêncio, sentiram bater a porta. E Carlos ficou inquieto, lembrando-se que o Dâmaso devia ter visto em baixo, passeando na rua, o seu coupé. Santo Deus! O que ele iria tagarelar agora, com os seus pequeninos rancores, assim humilhado! Quase lhe pareceu nesse instante a existência do Dâmaso incompatível com a tranquilidade do seu amor.

- Aí está outro inconveniente desta casa, dizia no entanto Maria Eduarda. Aqui ao lado desse Grémio, a dois passos do Chiado, é demasiadamente acessível aos importunos. Tenho agora de repelir quase todos os dias este assalto à minha porta! É intolerável.

E com uma súbita ideia, atirando o bordado para o açafate, cruzando as mãos sobre os joelhos:

- Diga-me uma coisa que lhe tenho querido perguntar... Não me seria possível arranjar por aí uma casinhola, um cotage, onde eu fosse passar os meses de verão?... Era tão bom para a pequena! Mas não conheço ninguém, não sei a quem me hei de dirigir...

Carlos lembrou-se logo da bonita casa do Craft, nos Olivais - como já noutra ocasião em que ela mostrara desejos d'ir para o campo.





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